A decisão de conceder uma licença ambiental de seis anos para atuação da mineradora Fleurs Global na Serra do Curral é apenas mais uma entre várias outras medidas do Governo Zema que ameaçam importantes patrimônios ambientais do povo mineiro.
A subserviência às mineradoras e o desmonte ambiental promovido pelo Governo Zema ficaram evidentes em mais um episódio recente. No último dia 2/8/24, foi publicada no Diário Oficial a concessão de uma licença ambiental de seis anos para a Fleurs Global na Serra do Curral, área que integra a paisagem da capital de Minas Gerais. A empresa, que já acumula 17 autuações por crimes ambientais na Justiça Federal, recebeu de presente de Zema uma autorização de classificação 6, o nível mais alto de potencial poluidor e degradador. Essa decisão ameaça um patrimônio do povo mineiro, uma área crucial para garantir o abastecimento de água em Belo Horizonte e na Região Metropolitana.
A autorização permite a operação da mineradora nos municípios de Raposos, Sabará e Nova Lima, onde a Fleurs já atua desde 2019 sem nunca ter obtido licenciamento ambiental adequado, com acordos precários e ilegais, contando com a anuência do governo do Estado. Segundo a Agência Pública, os atos do governo Zema beneficiaram uma exploração que causou danos de R$ 30 milhões e outros danos ambientais inestimáveis à Serra do Curral e ao Rio das Velhas, também localizado na região.
Com um histórico de diversas irregularidades, a Fleurs foi indiciada pela Polícia Federal em novembro de 2022 por inconformidades na Serra do Curral. Em dezembro do mesmo ano, o governo anulou o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que permitia as operações da empresa devido à apresentação de informações falsas às autoridades ambientais, atividades sem anuência do órgão licenciador e supressão irregular de vegetação.
As atividades da empresa foram marcadas por uma série de disputas judiciais que suspenderam e permitiram as operações na região, até o fim da vigência do TAC e a retomada das discussões sobre o licenciamento ambiental da empresa. Em março de 2024, o Ministério Público acionou a Justiça pedindo a suspensão das atividades da Fleurs por irregularidades no processo de licenciamento ambiental. Inicialmente, o pedido foi concedido, mas posteriormente revogado.
Agora, com a aprovação do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), o governo Zema ignora o histórico de crimes ambientais da mineradora, que há anos ameaça a Serra do Curral, e autoriza atividades de tratamento e beneficiamento de minerais, gestão de rejeitos e abastecimento de combustíveis. O perigo da decisão consiste ainda na abertura de precedentes para o avanço de outros empreendimentos na região.
Impactos ambientais
Os impactos da autorização cedida à Fleurs são imensos. A Serra do Curral, além de símbolo da capital mineira, é uma das últimas áreas de recarga hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Ao Brasil de Fato, Marcelo Barbosa, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), afirmou que os municípios da RMBH já convivem com o risco de desabastecimento, em função da atividade de emprendimentos minerários.
“A Bacia do Rio das Velhas, crucial para o abastecimento de água da RMBH, está rodeada por barragens de rejeito de mineração e pela própria atividade mineradora, o que gera grande preocupação. Um desastre ambiental nessa área pode comprometer todo o fornecimento de água. Além disso, a Serra do Curral, uma das últimas áreas disponíveis para emergências hídricas, está sendo destruída pela mineração, especialmente pela empresa Fleurs, que tem um histórico de manobras judiciais para continuar operando na região” afirmou Marcelo.
Ele ainda destacou a necessidade de reavaliar a composição do Copam, que tem atendido aos interesses das empresas e não conta com quase nenhuma representação da sociedade civil, dos movimentos sociais e de ambientalistas, mas tem forte representação dos setores interessados na atividade minerária.
A exclusão da participação popular nas decisões é uma prática recorrente no governo Zema. Um exemplo claro é a falta de consideração pelo impacto nas comunidades mais afetadas, como o kilombo Manzo Nzungo Kaiango, situado no Bairro Santa Efigênia, que não tem sua voz ouvida no processo decisório.
Zema amigo das mineradoras
Desde o primeiro mandato, Romeu Zema prioriza os interesses das mineradoras em detrimento da proteção do patrimônio do povo de Minas Gerais, facilitando a atuação das empresas no estado por meio da flexibilização da legislação, do desmonte e aparelhamento dos órgãos de controle, e da concessão de autorizações provisórias.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a doutora em geografia Carla Wstane, integrante do Projeto Manuelzão da UFMG, destacou que a concessão da licença à Fleurs Global é equivocada e reflete a política ambiental de Zema. “Desde o início, Zema opta pela atividade minerária e pela degradação da Serra do Curral, um patrimônio histórico, artístico e cultural, com imensa biodiversidade e significativo potencial hídrico que alimenta o Rio das Velhas”, enfatizou.
A mineração ilegal na Serra do Curral se intensificou desde 2019, com sucessivas tentativas de licenciamento ambiental para explorar seus recursos naturais. Além da Fleurs Global, a Tamisa/Taquaril, Empabra e Gute Sicht são as mineradoras que buscam, a todo custo, explorar o território.
Em 2019, a Empabra foi alvo de uma CPI na Câmara Municipal de Belo Horizonte por suspeita de exploração ilegal, enfrentando na Justiça um pedido de suspensão de suas atividades. No dia 3/6/24, uma visita técnica da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) constatou extração irregular de minério na Serra do Curral.
A mineradoa Fleurs foi alvo da operação Poeira Vermelha da Polícia Federal em 2020 e já teve suas atividades suspensas várias vezes por desmatar irregularmente áreas protegidas. A mineradora provocou o assoreamento de cursos d’água e outros crimes ambientais graves, causando grande prejuízo aos cofres públicos. Já a Gute Sicht teve suas atividades interrompidas pelo STF, a pedido da Prefeitura de Belo Horizonte, por operar em área tombada, desrespeitando a lei.
A Tamisa, por sua vez, conseguiu aprovar um licenciamento no Copam após várias manobras dentro do Governo Zema, mas, em 2023, a licença foi suspensa após um recurso do Ministério Público de Minas Gerais. O julgamento do recurso teve início em 15 de dezembro de 2022, quando a Justiça suspendeu as licenças prévias e de instalação do Complexo Minerário Serra do Taquaril.
A suspensão foi mantida pela Justiça Federal em setembro de 2023. Nesse caso, o silêncio de Zema chama atenção, especialmente considerando sua declaração de que mudaria de opinião se fosse comprovada a ilegalidade. Ele afirmou confiar na equipe técnica que aprovou o licenciamento da mineradora na Serra do Curral, mesmo quando questionado sobre os vícios de ilegalidade apontados pelo Ministério Público Federal (MPF) e a falta de aprovação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG).
No entanto, sem mudar de opinião, o governador tem demonstrado ao longo de seus mandatos que as pautas ambientais e as comunidades mineiras não têm importância, privilegiando as mineradoras e grandes empresas. Suas falsas promessas de apuração de ilegalidades e seu silêncio evidenciam não só a incompetência, mas as verdadeiras intenções do governo do “Novo”.
Tombamento da Serra do Curral é urgente e pautado pelo Bloco Democracia e Luta
Diante das constantes ameaças à Serra do Curral, a oposição tem lutado contra decisões favoráveis às mineradoras e busca o tombamento integral da Serra e a criação de um Parque Nacional que proteja toda a área. Em 2023, a pedido das deputadas do Bloco Democracia e Luta, Bella Gonçalves (Psol), Beatriz Cerqueira (PT) e Ana Paula Siqueira (Rede), uma audiência reuniu a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, parlamentares estaduais e federais, especialistas e ambientalistas para discutir a criação do Parque Nacional da Serra do Curral.
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Dentre as possibilidades apresentadas para a proteção da Serra do Curral também está a criação da reserva ambiental via decreto do presidente Lula. Estudo de viabilidade foi apresentado ao Ministério do Meio Ambiente e técnicos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) trabalham num parecer técnico sobre a questão.
Outros patrimônios ambientais são ameaçados
Além da Serra do Curral, a Serra da Moeda e a Serra do Espinhaço, especialmente nas localidades de Moedas, Arêdes e Fechos, também enfrentam constantes ameaças devido às atividades das mineradoras. No primeiro semestre de 2024, a oposição manteve o enfrentamento à mineração predatória como uma pauta constante, enquanto o governo de Zema continuou a flexibilizar regulamentos e facilitar o avanço de empreendimentos que ameaçam as serras de Minas Gerais.
Com o apoio irrestrito de Zema, a mineração avança em todas as regiões do estado. Na extração da bauxita na Zona da Mata, na extração do minério de ferro no Quadrilátero Ferrífero, na tentativa de minerar a Serra do Gandarela ou na mineração da própria Serra do Curral, nas barbas da capital. Ainda no início de 2024, vetos do governador atacaram a proteção ambiental, colocando a população em risco de desabastecimento. Após aprovados na ALMG, Zema vetou os projetos de expansão das estações ecológicas de Arêdes, em Itabirito, e de Fechos, em Nova Lima, na região metropolitana de BH.
Fechos: O Veto nº 9 incidiu sobre o Projeto de Lei (PL) 96/19 de autoria da deputada Ana Paula Siqueira (Rede) e previa a expansão da área da Estação Ecológica de Fechos, em 222 hectares, o que poderia assegurar o abastecimento de mais de 80 mil pessoas e a proteção de uma área de relevante interesse ambiental, além de impedir a exploração da atividade minerária.
Arêdes: Já o Veto nº 6, diz respeito à emenda criada pelas deputadas Bella Gonçalves (PSOL) e Leninha (PT), no PL 387/23, que exclui 27 hectares de Arêdes e passa às mãos da mineradora Minar uma área dentro da unidade de conservação. Apesar de o projeto também acrescentar 61 hectares de área adjacente, atualmente pertencente a terceiros, essa área é constituída de terreno de pasto sem qualquer valor ambiental. Essa porção não substitui a retirada de Arêdes, que é formada por campos ferruginosos, importantes para a preservação de mananciais e que tem alto valor ambiental, cultural e arqueológico.
Fontes: G1, Brasil de Fato, Instituto Guaicuy, Estado de Minas