A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou na terça-feira (21/5/24), audiência pública com o objetivo de debater ações de fomento, promoção e conservação da natureza e das culturas da Serra do Espinhaço. A reunião foi resultado do requerimento de autoria das deputadas estaduais do Bloco Democracia e Luta, Bella Gonçalves (Psol) e Leninha (PT).
Apesar de ser reconhecida desde 2005 como reserva da biosfera pela Unesco, órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), os convidados e as deputadas destacaram durante o debate que a serra ainda necessita de ações à altura de sua relevância. Entre as ações apontadas para a proteção dessa, que é a única cordilheira do país, estão a gestão participativa, envolvendo comunidades e povos tradicionais; fomento ao turismo de base comunitária; controle de atividades como a mineração e estudos mais aprofundados sobre sua riqueza natural e cultural.
Durante a audiência, a deputada Bella Gonçalves (Psol) defendeu ações de fomento e conservação da área, destacando que a Serra do Espinhaço tem uma riqueza inestimável para o Brasil, tanto em expressões culturais como em diversidade.
“Queremos pensar num dia celebrativo para olhar para essa riqueza e pensar estratégias de proteção e também para denunciar as ameaças à sua proteção”, afirmou a deputada, pontuando que atividades como o ecoturismo podem ser uma alternativa econômica sustentável à mineração, que, segundo ela, vem sendo ampliada na região.
Leninha (PT) destacou que a audiência sobre a serra antecedeu o Dia da Biodiversidade – celebrado hoje, 22 de maio – e destacou a importância do respeito às comunidades locais da Serra do Espinhaço.
“É a única cordilheira do Brasil e que tem povos tradicionais que têm protegido o ambiente”.
Deputada estadual e vice-presidenta da ALMG, Leninha (PT)
Com isso em mente, as autoras do requerimento anunciaram durante o debate o desenvolvimento de um projeto de lei que cria o Dia Estadual da Serra do Espinhaço para que a conservação da área esteja constantemente em debate no estado.
“É uma forma da sociedade civil junto com o estado organizar medidas de valorização da nossa serra. O ecoturismo que existe na Serra do Espinhaço gera muita economia e muito emprego para muita gente. Se aumentarmos o turismo e a valorização, podemos construir alternativas econômicas ao modelo de mineração que pretende destruir a nossa serra e não deixar nada em troca.”
Deputada Estadual Bella Gonçalves (Psol)
Mineração ameaça Serra do Espinhaço
Maria Teresa Corujo, do Movimento Salve Gandarela, destacou que a cordilheira fica sobreposta pelos interesses minerários ao exibir imagens de mapas de Minas Gerais em que estão assinaladas barragens em áreas da Serra do Espinhaço. “O interesse minerário se sobrepõe a outros valores fundamentais para a sobrevivência nossa e das gerações futuras.”, afirmou.
Uma das preocupações pontuadas por ela, foi a retomada do projeto Apolo, da Vale, em área que foi avocada pelo Estado como sendo para licenciamento sustentável, quando na verdade o intuito seria o de agilizar processos para exploração.
O projeto Apolo também foi lembrado pela deputada estadual do Bloco Democracia e Luta, Andréia de Jesus (PT), durante reunião no Plenário nesta quarta-feira (22/5/24).
“A relação entre o poder econômico das mineradoras e a grande imprensa pode ser vista como uma aliança perniciosa que influencia a percepção pública sobre questões ambientais.”
Deputada estadual Andréia de Jesus
Além da Serra do Espinhaço, pelo menos outras oito serras correm risco em Minas Gerais: a Serra da Piedade, a Serra da Gandarela, a Serra do Caraça, a Serra da Moeda, a Serra do Rola Moça, a Serra do Brigadeiro, a Serra do Caparaó e a Serra do Curral.
Zema amigo das mineradoras
Por mais de três anos, o governo mineiro permitiu a atividade da mineradora Fleurs Global Mineração no entorno da Serra do Curral – que faz parte do conjunto da Serra do Espinhaço – por meio de autorizações “precárias”, mesmo após graves infrações ambientais sucessivas. A operação da empresa, ré por mineração irregular desde 2023, foi suspensa em março de 2024 pela Justiça a pedido do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), após ter provocado danos ambientais e coletivos avaliados pela promotoria em R$ 30 milhões.
Serra do Curral: atos do governo Zema beneficiaram exploração que gerou danos de R$ 30 mi
Criticado pelos movimentos por ser “subserviente às empresas”, no primeiro semestre de 2022, Zema tentou permitir a mineração na Serra do Curral. Conhecida como cartão postal da capital mineira, a serra é tombada em âmbito municipal e federal. Ainda assim, no dia 30 de abril de 2022, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) concedeu licença de exploração do território à Taquaril Mineração S/A (Tamisa). Contudo, o Ministério Público Federal (MPF), pediu a suspensão das atividades da empresa na Serra do Curral e a decisão foi acatada pelo TRF6.
Serra do Curral: Justiça mantém suspensão de licença da mineradora Tamisa
Especialistas defendem a proteção da serra
A audiência contou com a participação de pesquisadores que também defenderam a preservação da serra. Entre eles, Miguel Andrade, professor da PUC Minas e coordenador da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço (RBSE), destacou que a serra é um território representativo do Brasil, mas ressaltou a necessidade de reconhecimento interno com ações participativas.
Miguel, que também coordena a Rede Brasileira de Reservas da Biosfera (BRB), apresentou um vídeo sobre a riqueza da Serra do Espinhaço, que atravessa Minas e Bahia e possui monumentos como o Pico do Itambé e a Cachoeira do Tabuleiro. Ele destacou que 40% da flora é composta por espécies endêmicas e que a serra abriga três biomas importantes: Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica.
Sérgio Augusto Domingues, superintendente do Ibama em Minas, afirmou que o Espinhaço ainda é pouco estudado apesar de sua biodiversidade e a presença de vários biomas. Ele sugeriu um aprofundamento no programa da Unesco “Homem e Biosfera”, que combina conservação com a integração humana.
Domingues também mencionou que o Espinhaço possui unidades de conservação e que a inciativa da Unesco facilita o intercâmbio com outras reservas de biosfera, como na África do Sul e Canadá. Esse intercâmbio poderia ajudar mineradoras no Brasil a adotarem práticas mais sustentáveis, alinhadas com protocolos internacionais.
Durante a audiência da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Vinícius Papatella, do Instituto Cordilheira, defendeu o bloqueio de títulos minerários e a suspensão de processos de licenciamento para que primeiro se pense numa diversificação econômica que não a mineração na serra.
Já a coordenadora da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (CODECEX), Maria de Fátima Alves, exaltou especialmente a importância da serra para os que nela vivem. “Ela é nossa sobrevivência, é tudo para nós, é memória, é sustento, é cultura. A gente cuida dela e ela cuida da gente. Tem que parar com licenciamentos para mineração sem consultar as comunidades e povos tradicionais”, cobrou.
Gabriela Cristina Barbosa Brito, coordenadora do Plano de Ação Territorial para a Conservação das Espécies em Extinção do Espinhaço Mineiro (PAT/IEF) do Instituto Estadual de Florestas, destacou que o plano faz parte do programa nacional Pró-Espécies, atuando com uma rede de atores locais de várias áreas na proteção de 24 espécies da fauna e flora em perigo crítico de extinção no Espinhaço.
*Matéria elaborada com informações da ALMG