Os mineiros poderão participar ativamente da criação de um instrumento coletivo destinado a promover a efetiva igualdade de oportunidades para as comunidades negra e indígena, bem como para os povos e comunidades tradicionais.
A elaboração do Estatuto da Igualdade Racial em Minas Gerais é uma oportunidade para direcionar políticas públicas específicas para a população negra, afirmaram autoridades e especialistas no primeiro encontro regional do Seminário Legislativo Estatuto da Igualdade Racial, realizado na terça-feira (28/4/24) pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O evento tem como objetivo subsidiar o processo legislativo e ampliar o debate sobre o Projeto de Lei (PL) 817/23, que institui o estatuto, de autoria das deputadas do Bloco Democracia e Luta, Leninha (PT), 1ª-vice-presidenta da ALMG, Macaé Evaristo (PT), líder da Bancada Feminina, Andréia de Jesus (PT), presidenta da Comissão de Direitos Humanos, e Ana Paula Siqueira (Rede), presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher.
O documento visa garantir às populações negra e indígena e às comunidades tradicionais a efetiva igualdade de oportunidades, defesa dos seus direitos e o combate à discriminação orientando políticas públicas, ações, iniciativas e programas de promoção da igualdade racial. Durante o primeiro dos sete encontros regionais voltados para a elaboração do estatuto, as quatro deputadas negras da Casa e autoras do PL destacaram a importância de uma construção coletiva.
“A luta anti-racista passa, principalmente, por criar oportunidades. Nós estamos falando de várias políticas públicas. Como está a saúde para atender a população negra? Como está a questão do acesso à educação e à cultura que é tão rica no povo negro?“
Deputada estadual Leninha (PT), 1ª vice-presidenta da ALMG
Leninha também salientou a presença de mulheres negras no Parlamento. “Esta Casa ficou anos sem ouvir o som dos tambores do nosso povo. Nossa presença aqui é para garantir a voz e a vez da população negra”, afirmou.
A deputada Macaé Evaristo concordou. Em sua opinião, é importante ter um estatuto em Minas, mesmo já existindo o nacional, porque algumas políticas não são implementadas no Estado, como a de cotas no serviço público.
“Precisamos de um estatuto, sob pena de Minas perpetuar a desigualdade, mesmo sendo um lugar de maioria negra.”
Deputada estadual Macaé Evaristo (PT), líder da Bancada Feminina
Para Andréia de Jesus, é importante que a população negra esteja no centro das discussões e dispute recursos do orçamento de Minas.
“Não dá para discutir combate ao racismo e a desigualdade racial sem pensar na política de forma integrada e o estatuto vai entregar dessa forma.”
Deputada estadual Andréia de Jesus (PT), presidenta da Comissão de Direitos Humanos
Já Ana Paula Siqueira (Rede) reforçou que a construção do estatuto é um marco e defendeu que a luta antirracista seja uma política de Estado.
“Perpassar políticas de educação, de saúde, de assistência, de infraestrutura na perspectiva de raça é fundamental para garantirmos dignidade, acesso aos direitos e política pública de qualidade para nossa população.”
Seminário contou com presença da sociedade civil e poder público
O primeiro encontro do Seminário Legislativo do Estatuto da Igualdade Racial contou com representantes da sociedade civil e do poder público que debateram sobre a construção do documento. Após a mesa de abertura, os participantes inscritos se dividiram em três grupos de trabalho que discutiram: Direito à Vida Digna, Acesso ao Meio Ambiente Saudável, ao Trabalho à Justiça e à Segurança; Combate ao Racismo, Ações Afirmativas e Diversidade Religiosa; Financiamento de Políticas Públicas, Representatividade e Participação Social.
Para o promotor de Justiça Allender Lima, a realização do seminário é um momento histórico único, fruto da presença dessas quatro mulheres negras no Parlamento mineiro. “Essa legislatura tem uma oportunidade ímpar para vincular o Estado a políticas públicas específicas em prol do povo negro”, disse.
Segundo ele, Minas passa longe da política de cotas já implantada em âmbito federal. Da mesma forma, não conta com ensino da cultura afro nas escolas e faltam iniciativas de atenção integral à saúde para a população negra.
João Mateus Fagundes deu como exemplo sua própria trajetória. Ele tornou-se defensor público a partir da política de cotas, ainda escassa. “Quando ingressamos dessa forma, trazemos em nossos corpos a luta do povo preto. Assim mudamos o lado da mesa.”, afirmou.
Também defensora pública, Marolinta Dutra falou da importância de se discutir o estatuto. “Eu conto pessoas pretas onde eu vou. Invariavelmente são poucas nos espaços de poder. Pretendemos mudar essa realidade imediatamente porque estamos atrasados com isso, sobretudo em Minas”, disse.
A desembargadora Adriana Goulart destacou que no Tribunal Regional do Trabalho, no último concurso, de 295 ingressantes, apenas 15 são negros. “Precisamos das cotas, mas precisamos ir além delas para efetivamente promover a colocação desse público”, defendeu.
A superintendente de Políticas Temáticas Transversais da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Cíntia Mara Araújo, também abordou a relevância da construção do estatuto. “Será o principal instrumento normativo mineiro para a efetiva igualdade de oportunidades e garantia de direitos ao povo negro”, afirmou.
O evento de abertura contou ainda com a presença da ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Doutora Nilma Gomes, que destacou a importância da participação popular no processo de construção do documento para transformar narrativas em um texto legislativo coerente e forte que garanta uma política de estado, ela afirmou “É nosso dever construir um Estatuto que não peça licença”.
Ela lamentou a falta de espaço dos negros nas instâncias de poder e decisão no Estado, ao reforçar a necessidade de uma estrutura administrativa abrangente e com orçamento no Poder Executivo para articulação das políticas transversais compensatórias e de combate ao racismo.
Em relação a essas políticas, a ex-ministra afirmou que elas precisam contemplar diversos eixos de atuação, como o combate à intolerância contra as religiões de matriz africana e à violência contra a juventude negra, assim como medidas para a garantia de empregabilidade, saúde integral e acesso à terra e à moradia adequadas.
Nilma ainda recomendou que o trunfo do estatuto deve ser organizar questões específicas em arcabouços mais amplos. Assim, reivindicações dos povos quilombolas, por exemplo, devem ser tratadas no conjunto das políticas que contemplam toda a população negra de Minas Gerais. “É uma estratégia do racismo nos colocar em lugares específicos”, advertiu.
Discussões sobre o estatuto continuarão em outras regiões
Em seguida à palestra, grupos de trabalho apresentaram, ao longo do dia, propostas em relação ao assunto, tendo como base o documento de referência elaborado a partir do PL 817/23.
Os debates sobre igualdade racial irão até o dia 21 de agosto e percorrerão diferentes regiões do Estado em outros seis encontros em cidades polo do interior de Minas para priorização de propostas que possam aperfeiçoar o estatuto.
Além disso, serão formados grupos de trabalho para apresentar propostas e serão eleitos representantes da sociedade civil e do poder público que participarão da etapa final dos debates na Capital Mineira. A programação completa e outras informações podem ser conferidas no site da ALMG.
Leia também: Seminário sobre Estatuto da Igualdade Racial ocorrerá em diversos municípios de Minas
*Matéria elaborada com informações da ALMG