A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher celebrou o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha com audiência pública que lançou o projeto de lei Julhos das Pretas e foi palco de debates sobre a presença de mulheres negras em espaços de poder e a violência imposta a essa população.
Nesta terça-feira (18/07/23), foi realizada uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que tratou do Julho das Pretas, uma iniciativa do Instituto da Mulher Negra (Odara) que debate pautas relacionadas à superação das desigualdades de gênero e raça. Esse evento já está na 11ª edição, que tem como tema “Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver” e busca evidenciar em território brasileiro a agenda política de mulheres negras. A reunião também comemorou antecipadamente a data de 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.
A audiência pública foi requerida pelas quatro deputadas estaduais negras da ALMG: Ana Paula Siqueira (Rede), Andreia de Jesus (PT), Leninha (PT) e Macaé Evaristo (PT), todas do Bloco Democracia e Luta. Elas propuseram a criação de um projeto de lei para instituir, no âmbito do Estado de Minas Gerais, o Julho das Pretas, para dar maior visibilidade à luta do movimento de mulheres negras e convocar o poder público e a sociedade a ampliarem e promoverem ações em defesa da pauta e promoção dos direitos das mulheres negras.
O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e o Julho das Pretas: desafios antigos e lutas contínuas
O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) e teve origem durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, realizado em Santo Domingo, na República Dominicana, em 1992. O evento possibilitou a aproximação de mulheres negras de diversos países para a discussão de temas e de estratégias de luta em proporções transnacionais.
No Brasil, essa data é comemorada no 25 de julho, junto ao Dia Nacional de Teresa de Benguela e da Mulher Negra, instituído pela Lei Federal n° 12.987. Esse foi o dia da morte de Tereza de Benguela, uma líder quilombola que deu visibilidade ao papel da mulher negra na história brasileira. Ela liderou por 20 anos, a resistência contra o governo escravista e coordenou as atividades econômicas e políticas do Quilombo Quariterê, localizado na fronteira do Mato Grosso com a Bolívia. Por sua capacidade de liderança e de resistência à escravidão, tornou-se um símbolo da luta das mulheres negras.
Já a iniciativa Julho das Pretas surgiu em 2013, ano em que aconteceu sua primeira edição, um movimento para fortalecer a ação política das mulheres pretas nas esferas da sociedade brasileira. Desde então, todos os anos, o Instituto Odara evidencia pautas relacionadas à superação da desigualdade de gênero e raça nesta data.
Ausência de mulheres pretas em espaços de poder e violências cotidianas
Diversos dados estatísticos foram apresentados na reunião e reforçam a discriminação de gênero e de raça imposta às mulheres negras. Elas representam duas em cada três vítimas de feminicídio, como ressaltou a deputada Ana Paula Siqueira, presidenta da comissão. “Das 15 deputadas de Minas, apenas quatro são negras”, pontuou.
De acordo com dados trazidos por Ana Gabriela Melo Rocha, promotora do Ministério Público de Minas Gerais, mulheres negras ocupam 2,2% dos cargos de direção e gerência na região Sudeste, contra 5,2% de mulheres não negras. A renda média também é diferente, R$ 1,8 mil e R$ 3 mil, respectivamente. Ainda segundo ela, dos 570 cargos de elite no Poder Executivo estadual, apenas 14% são ocupados por negros e pardos, incluindo-se homens e mulheres. A promotora cobrou estudos que façam um levantamento completo desse cenário e destacou que o combate ao preconceito de gênero, raça e classe não é favor, mas um dever constitucional que vincula todos os poderes, o setor privado e a sociedade.
Na magistratura brasileira, há 18% de negros e, destes, 7% são mulheres, observou Sílvia Souza, presidenta da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ela ponderou que a sociedade brasileira é estruturalmente racista e, por isso, salientou a importância de ações afirmativas para garantir o acesso de mulheres negras a esses espaços:
“Como a Justiça, branca e elitizada, pode ser livre do racismo estrutural? A neutralidade do juiz é um mito. Somos formados pelo que aprendemos a vida toda”
Deputadas reforçam importância do 25 de julho
As deputadas Ana Paula Siqueira, Andréia de Jesus, Leninha e Macaé Evaristo destacaram a importância do dia 25 de julho como marca de luta das mulheres negras. Em mensagem gravada, a vice-presidente da ALMG Leninha lembrou as lideranças femininas precursoras da luta do povo negro. Luta, muitas vezes, pela sobrevivência, conforme destacou.
Macaé rememorou a história simbólica da data e avaliou uma necessidade de mudanças no estado para melhor contemplar esse grupo: “As mulheres não estão nos marcos legais. Minas Gerais, por exemplo, não tem legislação sobre política de cotas em concursos públicos”. Para suprir essa carência, segundo ela, estão em curso as discussões sobre o Estatuto da Igualdade Racial, também proposto pelas quatro parlamentares. “As ações afirmativas em Minas são urgentes”, avaliou.
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Andréia de Jesus completou afirmando que o Estatuto também vai buscar dados sobre a situação dos negros em Minas nas várias áreas. “A perspectiva no Estado é perversa para as mulheres negras”, afirmou. A deputada saudou os vários representantes de movimentos negros que participaram da audiência e reforçou que a estratégia é “aquilombar”.
As parlamentares também homenagearam quatro mulheres negras: Efigênia Pimenta, precursora do Movimento Negro em Minas; Márcia Helena Aparecida de Oliveira Assunção, vice-presidenta da Irmandade Nossa Senhora do Rosário e São Benedito de Uberlândia (Triângulo Mineiro); Maria Vicentina Caldeira, embaixadora da Organização Mundial dos Defensores dos Direitos Humanos da ONU e Honoris Causa Afroindígena; e Luciana de Fátima Oliveira, a Luciana Axé, capoeirista e dançarina afro, representante do Grupo de Capoeira Odara.
Durante os debates, foi apontada a necessidade de políticas públicas em Minas que atendam às mulheres negras em diferentes aspectos, como saúde geral e saúde mental, e também de apoio a mulheres privadas de liberdade e mães de detentos. As sugestões foram acatadas pelas deputadas em forma de requerimentos, que serão votados numa próxima reunião da comissão.
Fonte: ALMG