Por: Beatriz Cerqueira
A Escola Municipal Professora Santa Godoy, em Mariana, recebeu na sexta (14) centenas de pessoas atingidas pelo crime da Vale/Samarco/BHP, com o rompimento da barragem de Fundão em 2015. Até aí nenhuma novidade. O que mais as pessoas fizeram nesses sete anos do crime foi participar de reuniões e audiências. A importância dessa reunião foi a presença do governo federal que, pela primeira vez, sentou e escutou as pessoas.
“A pressa do povo é de ter justiça e de não ser manipulado para mais um acordo sem participação”
Foram quatro horas de trabalhos com a presença dos ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar, da Secretaria-Geral da Presidência da República e da Secretaria de Comunicação. Foi a primeira atividade de uma caravana, que acontece nos próximos dez dias em Minas Gerais e no Espírito Santo. Por compromisso e dever de lealdade a todas às pessoas vítimas desse crime, eu acompanho as atividades que acontecerão em Minas Gerais.
Muita gente falou, documentos foram entregues. Denúncias foram feitas. Diferentemente do que Romeu Zema (Novo) disse na cidade poucos dias antes, não há insatisfação com o que o governador chamou de “demora” em assinar o acordo de repactuação. Quem é atingido pelo crime foi excluído pelo próprio governo estadual e por instituições de Justiça de uma participação direta.
LEIA MAIS SOBRE A COMISSÃO DE ACOMPANHAMENTO DO ACORDO DE MARIANA
A pressa é do governo estadual para ter acesso a bilhões de reais. A pressa é das empresas criminosas que querem mostrar ao mundo uma (falsa) preocupação com as pessoas.
A pressa do povo é de ter justiça integral e de não ser manipulado para mais um acordo sem participação dos atingidos. Muitas pessoas expressaram essa avaliação durante a reunião. Como denunciou Luzia Nazaré, que é da Comissão dos Atingidos da Barragem de Fundão, “a gente foi um rascunho, para muita gente ganhar lá fora”.
Impactos continuados
O processo de escuta possibilitou que um diagnóstico atual da realidade das pessoas pudesse ser feito após sete anos do crime: o não reconhecimento de comunidades quilombolas e tradicionais, o endividamento dos produtores rurais e a falência de muitos deles, os impactos para toda a população de Mariana com o aumento do custo de vida, da alimentação e dos estudos, da precariedade da estrutura de saúde na cidade, e da fome, que é presença fixa na casa de todos moradores da bacia do Rio Doce.
Expressaram também esperança, sem esconder a desconfiança: “as mineradoras têm suas garantias. Quais as garantias para o povo?”, questionou uma liderança garimpeira. E continuou: “não cumprem acordos e não são punidos”.
Imagens de festas tradicionais, como a Folia de Reis de Águas Claras, são usadas em publicidade da Renova, que nunca procurou ou atendeu a comunidade. Festas deixaram de existir, momentos de fé e celebração foram interrompidos e a vida ficou muito mais difícil sem as tradições e a convivência.
O seu Zezinho do Bento desabafou: “hoje eu vivo numa cadeia”, em referência ao apartamento onde mora desde o rompimento. Antes, era morador de Bento Rodrigues. Uma professora, após relatar como estudantes de comunidades rurais de Mariana simplesmente ficaram sem direito à escola após o rompimento da barragem, sintetizou: “perdemos a paz”.
E Simone, liderança de Gesteira, deu a tônica do que quer que seja dito ao presidente Lula: “queremos sentar à mesa de negociação. Precisa colocar as pessoas atingidas na mesa de negociação”. Durante todos esses anos, muita gente falou pelas pessoas vítimas do crime da Vale/Samarco/BHP, decidiu por elas, negociou por elas.
Reconhecer o direito de protagonismo de quem luta contra a invisibilidade, o poder econômico e político das mineradoras, a constante renovação do crime, a violação de direitos pela Renova e teve sua vida destruída pela lama, é o mínimo. Quem é atingido tem o direito de falar por si, sem intermediários.
Beatriz Cerqueira é professora e deputada estadual (PT-MG).