Nova lei, que já está em vigor, obriga Estado a divulgar em sites oficiais a “lista suja” do trabalho escravo em Minas Gerais
Ano após ano, Minas Gerais segue em primeiro lugar no ranking dos estados brasileiros com o maior número de pessoas submetidas ao trabalho análogo à escravidão. Mas, afinal, quem são os empregadores que continuam cometendo esse crime? Os nomes estão na chamada “lista suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que, a partir de agora, serão obrigatoriamente divulgadas em sites oficiais do governo de Minas. A medida consta na nova lei 24.535/2023, de autoria do deputado Betão (PT).
Os números demonstram o agravamento da crise das relações de trabalho e de direitos humanos em Minas Gerais. Recentemente, foram incluídas de 37 novas empresas. De acordo com a última atualização, realizada em outubro, ao todo, Minas possui 114 nomes cadastrados, ocupando o primeiro lugar entre todos os estados do país. Conforme a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), foram incluídas 204 empresas no Brasil, com casos identificados entre 2018 e 2023. O objetivo da lista é dar transparência aos atos administrativos que decorrem das ações fiscais de combate ao trabalho análogo à escravidão.
O número de pessoas submetidas ao trabalho escravo contemporâneo no estado é alarmante. Apenas em agosto, dos 532 trabalhadores resgatados no país, 204 estavam em terras mineiras, o que representa um total de 40%, de acordo com dados do Ministério Público do Trabalho (MPT), divulgados em setembro. Os resgatados tiveram os custos trabalhistas regularizados e voltaram para seus locais de origem. Já os empregadores devem responder a processos judiciais e terão os nomes na lista suja do MTE.
O MPT ainda apontou que, somente no ano de 2022, foram resgatados mais 2575 trabalhadores nessas condições. Em uma única fazenda de cana-de-açúcar no município de Varjão de Minas, no Noroeste do Estado, foram encontrados 273 trabalhadores em situação análoga à escravidão. Em outra lavoura de café, no Sul de Minas, foram regatados mais 63 trabalhadores.
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Escravidão em novos moldes
O trabalho escravo que acontece nos dias atuais é uma grave violação de direitos humanos que restringe a liberdade do indivíduo e atenta contra a sua dignidade. Esse fenômeno é distinto da escravidão dos períodos colonial e imperial. Hoje, essa prática é um crime expresso no Artigo 149 do Código Penal, com pena de reclusão de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente à violência.
Resumidamente, o trabalho análogo à escravidão corresponde à situação em que uma pessoa está submetida a trabalho forçado, jornada exaustiva, servidão por dívidas e/ou condições degradantes. Não é necessário que os quatro elementos estejam presentes: apenas um deles é suficiente para configurar a exploração de trabalho escravo
- Trabalho forçado: o trabalhador é submetido à exploração, sem possibilidade de deixar o local por causa de dívidas, violência física ou psicológica ou outros meios usados para manter a pessoa trabalhando. Existem diversos casos em que pessoa pode estar em local de difícil acesso e longe de uma rede de proteção, esperando terminar o serviço com a esperança de receber o pagamento ou até mesmo impedida de sair, pois seus documentos pessoais estão retidos pelo empregador.
- Jornada exaustiva: expediente desgastante que coloca em risco a integridade física e a saúde do trabalhador, associados a um excesso de horas extras não pagas e intervalos insuficientes. Há casos em que o trabalhador também fica impedido de manter vida social e familiar e corre mais riscos de adoecimento físico e mental.
- Servidão por dívidas: fazer com que o trabalhador permaneça sempre endividado por meio de fabricação de dívidas ilegais referentes a gastos com transporte, alimentação, aluguel e ferramentas de trabalho para “prender” o trabalhador ao local de trabalho. Esses itens são cobrados de forma abusiva e arbitrária para, então, serem descontados do salário do trabalhador.
- Condições degradantes: irregularidades que caracterizam a precariedade do trabalho e das condições de vida do trabalhador, atentando contra a sua dignidade. Alojamento precário,; péssima alimentação; falta de assistência médica; ausência de saneamento básico e água potável; maus-tratos e ameaças físicas e psicológicas são alguns exemplos.
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As principais medidas adotadas para erradicação desse crime estão centradas na repressão ao crime, como a fiscalização de propriedades privadas, a restituição dos direitos dos trabalhadores resgatados e a punição administrativa, econômica e criminal dos empregadores flagrados utilizando-se dessa prática. Essas ações são importantes para libertar os trabalhadores e punir os responsáveis.
Porém, políticas públicas articuladas de assistência à vítima e de prevenção ao problema também são fundamentais para que os trabalhadores possam se desvincular da situação de exploração. A partir desse tipo de iniciativa, com processos formativos, divulgação de informações e promoção de debates sobre trabalho escravo, as comunidades alcançadas se tornam preparadas para enfrentar o problema e denunciar práticas exploratórias.
Como denunciar?
Casos de trabalho análogo à escravidão podem ser denunciados por meio do Sistema Ipê por qualquer pessoa de maneira anônima, com praticidade e segurança. Além disso, as denúncias são registradas pelo aplicativo Pardal, do Ministério Público do Trabalho, pelo Disque 100 e pelo aplicativo Direitos Humanos BR, ambos serviços do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Trabalhadores enfrentam outros problemas em Minas
No dia 17 deste mês, quatro trabalhadores morreram depois de serem soterrados em uma obra no bairro Belvedere, em Belo Horizonte. Esse caso não é exceção, já que acidentes como esse mataram 150 trabalhadores no estado no ano passado. Minas Gerais tem 10% do total de ocorrências registradas no país e é o segundo estado no ranking de acidentes fatais no trabalho, perdendo somente para São Paulo.
Em um ano, a capital mineira aumentou em 286% o número de acidentes com mortes no ambiente de trabalho. Ao todo, apenas em Belo Horizonte, o número saiu de 14 trabalhadores que perderam a vida no serviço em 2021 para 54 mortes em 2022, segundo dados consolidados pelo MPT com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Somente em 2022, 63.812 acidentes de trabalho foram registrados em Minas Gerais.
Fonte: Brasil de Fato; G1; Escravo, nem pensar!