Mês instituído no Estado é fruto de Projeto de Lei das deputadas negras da Assembleia Legislativa e integrantes do Bloco Democracia e Luta: Andréia de Jesus, Ana Paula Siqueira, Macaé Evaristo e Leninha.
Com o objetivo de dar maior visibilidade à luta do movimento de mulheres negras e cobrar do poder público e da sociedade ações efetivas em defesa e promoção de seus direitos, foi instituído em Minas Gerais o Julho das Pretas. A iniciativa é fruto do Projeto de Lei 1110/23, de autoria das deputadas estaduais do Bloco Democracia e Luta – Leninha (PT), 1ª vice-presidenta da ALMG; Macaé Evaristo (PT), líder da Bancada Feminina; Andréia de Jesus (PT), presidenta da Comissão de Direitos Humanos; e Ana Paula Siqueira (Rede), presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher – e representa um marco na luta por uma sociedade mais justa e igualitária. O PL que oficializa a comemoração foi aprovado pelo Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na última quarta-feira (10/7/24).
O Julho das Pretas tem origem na comemoração do dia 25 de julho, instituído como o Dia da Mulher Afrolatino-Americana, Afrocaribenha e da Diáspora. A data marcou a realização do histórico 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, em Santo Domingo, na República Dominicana, realizado em 1992. No Brasil, a data homenageia a líder quilombola Tereza de Benguela, que liderou o Quilombo de Quariterê, no Mato Grosso, por mais de duas décadas durante o século 18, tornando-se um símbolo de luta e resistência do povo negro.
“O Julho das Pretas todos os anos traz temas importantes e necessários relacionados à superação das desigualdades de gênero e raça, colocando em evidência a pauta e a agenda política das mulheres negras.”
Deputada estadual Andréia de Jesus (PT), presidenta da Comissão de Direitos Humanos
“Com esse PL, afirmamos que é dever do Estado construir ações afirmativas de combate ao racismo e ao machismo, mas sobretudo políticas públicas de geração de trabalho e renda, de saúde e educação, de promoção dos nossos direitos.”
Deputada estadual Leninha (PT), 1ª vice-presidenta da ALMG
“Além da luta, o mês também é de celebração. Nós, mulheres negras, temos que comemorar a nossa força, resistência e capacidade de nos colocar como protagonistas de nossas vidas mesmo em meio a tantas dificuldades impostas pelo sistema.“
Deputada estadual Macaé Evaristo (PT), líder da Bancada Feminina
“Precisamos, de fato, fazer uma convocação e responsabilizar o estado por essas políticas públicas. Fomentar discussões, implantar órgãos ou instâncias que possam receber denúncias, mas também promover debates. Assim, construiremos uma sociedade que seja realmente justa e igualitária para todos, especialmente para as mulheres negras.”
Deputada estadual Ana Paula Siqueira (Rede), presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher
A ONU Mulheres no Brasil, que integra a Organização das Nações Unidas, aponta o Julho das Pretas como sendo a maior agenda conjunta e propositiva, de incidência política, movida por organizações e movimento de mulheres negras do Brasil.
No Brasil, o Julho das Pretas nasceu na Bahia, em 2013, inicialmente tendo à frente o Instituto Odara, em Salvador. Hoje, o movimento é celebrado em todo o Brasil para marcar a luta e as conquistas das mulheres negras, além de conscientizar a sociedade sobre a importância do combate ao racismo e sexismo.
Primeira audiência do Julho das Pretas destaca atenção às pessoas com doença falciforme
A primeira audiência sobre o Julho das Pretas foi realizada na última quinta-feira (11/07/24) na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. Solicitada pelas deputadas autoras do PL 1110/23, a reunião reforçou o objetivo de dar visibilidade à luta das mulheres negras contra a opressão de gênero, a exploração e o racismo, e discutiu os direitos das pessoas com doença falciforme.
A anemia falciforme é causada por uma alteração nos glóbulos vermelhos do sangue, que assumem a forma de uma foice. Trata-se de uma condição hereditária que causa fortes dores nas articulações e ossos, além de fadiga e mal-estar geral. Entre os pacientes acompanhados pela Associação das Pessoas com Doença Falciforme de Minas Gerais (Dreminas), 98% são beneficiários do Bolsa Família e 93% dos adultos não concluíram o ensino fundamental. A relação entre a doença e essa vulnerabilidade social é direta, devido ao seu caráter incapacitante. Além disso, há uma relação racial evidente: 95% desses pacientes são negros.
“São seis meses ou um ano de internação. Não há transplantes para todos e nem o medicamento (hidroxiureia). A realidade das pessoas com doença falciforme é de dor 24 horas. E ainda somos considerados preguiçosos e viciados em morfina”, desabafou Maria Zenó Soares da Silva, presidenta da Dreminas e coordenadora da Fenafal, a federação que reúne os pacientes.
Maria Zenó aponta que há uma falta de entendimento sobre a doença no SUS e, sobretudo, na rede privada. Ela citou o caso de um adolescente que acabou morrendo em Rio Branco (Região Central) pela demora no atendimento. “Ele estava com dengue, uma intercorrência gravíssima na doença falciforme. Já perdemos muitas pessoas para a dengue”, afirmou.
Segundo a presidenta da Dreminas, em Belo Horizonte, o fluxo assistencial aos pacientes é considerado bom, mas é preciso avançar no restante do estado. Ela sugeriu uma proposição que reforce a importância da carteirinha dos pacientes, que tem informações relevantes para o atendimento, mas segue sendo ignorada.
“Se nossa luta não tiver como objetivo reduzir a mortalidade das pessoas com doenças falciforme, não compensa lutar.”
Maria Zenó Soares da Silva, Presidenta da Dreminas
A deputada Ana Paula Siqueira (Rede), presidenta da comissão, se comprometeu a dar prosseguimento a essa proposta. “Queremos uma política pública que garanta a assistência aos portadores da doença, com cuidados precoces”, afirmou.
Legislação de deputada do Bloco Democracia e Luta é conquista em Minas
Um avanço na legislação do Estado sobre a doença foi destacado pela deputada Macaé Evaristo: a Lei 24.767, de 2024, fruto de projeto de lei de sua autoria. A norma trata da atenção integral à saúde das pessoas com doença falciforme e outras hemoglobinopatias no SUS. Ainda assim, de acordo com a parlamentar, é preciso avançar mais.
A deputada citou que, em Minas, o teste do pezinho garante o diagnóstico da anemia falciforme ou de traços da doença. “Mas se o teste é positivo, a pessoa tem que ter atenção por toda a vida”, afirmou. Segundo ela, a doença crônica tem várias intercorrências e é pouco compreendida no campo educacional, levando à evasão escolar dos pacientes.
Já Andréia de Jesus salientou que a audiência pode subsidiar o Estatuto da Igualdade Racial, que está sendo discutido em um seminário pela ALMG. “É difícil pensar na saúde integral dos negros porque nem mesmo o SUS conseguiu garantir o atendimento humanizado aos negros”, pontuou.
Racismo
O racismo na medicina foi destacado também pela assistente da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, Lindacy Silva Assis. Ela citou a baixa de hemoglobina, muita vezes apontada como preguiça. Portadora da doença falciforme, Lindacy trabalha no hemocentro justamente com o cadastro desses pacientes. Para ela, é preciso entender a doença e fortalecer a causa.
“Ser mulher é difícil. Ser mulher negra, mais ainda. E ser mulher negra com doença falciforme, piorou. Mas temos que falar de nossa potência. Temos uma história de luta que não para”, afirmou. Em Pernambuco, de acordo com Lindacy, a política de atenção à pessoa com anemia falciforme foi implantada em 2005.
Já a médica coordenadora-geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, Joice Aragão de Jesus, lembrou o trabalho para implantação de políticas voltadas para as pessoas com doença falciforme no Rio de Janeiro e em nível nacional, do qual participou. As questões relativas à doença, segundo ela, eram tratadas na Anvisa e não havia nenhum protocolo no Ministério.
“A realidade no Brasil ainda é de construção, de luta pelo atendimento imediato, pelo uso de morfina e contra o racismo”, definiu. Maria Zenó citou também a subnotificação da doença. O Ministério da Saúde, segundo ela, contabiliza 30 mil doentes, enquanto a Fenafal tem 64 mil. A expectativa da ativista é de que sejam 300 mil no País.
Fonte: ALMG