Alimentação escolar, estrutura, mobiliário, currículo, Enem, formação de professores, fechamento de instituições e outros tópicos estavam entre os assuntos tratados no debate público que aconteceu nesta segunda-feira (23/10). O evento que foi realizado pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), teve como tema a Educação do Campo em Minas Gerais.
Também foram discutidas as políticas públicas que podem ser aplicadas para solucionar esse abismo que separa a escola rural da pública. Os presentes reivindicaram uma educação no campo gratuita, de qualidade e que respeite a diversidade. Comissão e Secretaria de Estado de Educação (SEE) se comprometeram a trabalhar em lei para promover equiparação e extensão de direitos para fora das capitais. Para isso, serão feitas reuniões com a deputados Beatriz Cerqueira (PT), presidenta da comissão, com o deputado Leleco Pimentel (PT), ambos do Bloco Democracia e Luta, e com a área técnica da SEE, sobre as alterações necessárias na legislação.
Beatriz Cerqueira lembrou que já tramita na Casa o Projeto de Lei (PL) 511/23, de Leleco Pimentel, que cria o Marco Regulatório para a Educação do Campo, das Águas e das Florestas, equiparando as escolas famílias agrícolas às escolas públicas. Ela afirmou ainda disse que vai pedir que a proposta seja enviada à SEE e à Associação Mineira das Escolas Famílias Agrícolas (Amefa) para análise e apresentação de propostas. A parlamentar também comemorou a realização do debate, considerando-o um marco sobre educação do campo em Minas Gerais, com mais de 400 participantes.
Idalino dos Santos, secretário executivo da Amefa, destacou que também existe um Projeto de Lei Federal 4.215/21, que trata da política nacional de educação do campo. De acordo com o gestor, a proposta do deputado federal Padre João (PT), assim como a de Leleco Pimentel, equipara as escolas do campo às escolas públicas.
Desafios da Educação do campo
Durante todas as mesas que compuseram o evento, vários problemas que a escola rural enfrenta foram citados. Um dos tópicos levantados e que gera grande preocupação é o desafio da alimentação escolar, que não é garantida pelo Governo do Estado às escolas do campo. Nessas unidades, a merenda é fornecida com base em convênios, instrumento frágil que não pode ser utilizado em anos eleitorais.
A respeito da falta de móveis, o assessor de Relações Institucionais da SEE, Fernando Pinheiro, anunciou que o deputado Leleco Pimentel vai disponibilizar o uso de suas emendas parlamentares para custear a distribuição de mobiliário em várias unidades.
Já as Escolas Família Agrícola (EFAs) e escolas da educação infantil, mesmo desempenhando papel fundamental, estão em risco devido à resolução da Secretaria de Educação que permite seu fechamento pelos municípios. A vereadora de São Francisco (Norte) Gessica Almeida criticou essa medida do Executivo e condenou a formação de professores do campo no formato do Trilhas do Futuro, projeto também do governo Zema. “Isso não interessa a eles; deveríamos ter educação sobre a terra”, apontou.
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O secretário da Amefa, Idalino dos Santos, ainda defendeu a criação de programa interinstitucional do Estado que permita aos técnicos em agropecuária formados pelas EFAs, que foram 600 somente neste ano, atuarem na área de assistência técnica do governo. “Por que não pensar em um programa para esses jovens fazerem seus estágios numa Emater, Epamig ou IMA local? ”, questionou.
O representante lembrou que alunos das Escolas Família Agrícola e outras escolas do campo, ao fazerem o ENEM, não são considerados alunos de escolas públicas. Ele abordou também a restrição ao transporte escolar, que impede seu pagamento pelo Estado por esse mesmo motivo.
Além disso, a professora da Uemg Nágela Brandão falou sobre a missão pedagógica da educação do campo, considerando, por exemplo, as particularidades regionais. Ela reverberou demandas dos sujeitos do campo, como a ampliação de recursos para equipar as EFAS, com melhoria do espaço físico, da estrutura, e com valorização profissional, por meio de bons salários e condições de trabalho.
Políticas públicas específicas
No debate sobre políticas públicas para a educação do campo, ficou evidente a necessidade de se contemplar peculiaridades dessa modalidade, como a reforma agrária e o direito à terra, a agroecologia e segurança alimentar. “Qualquer política que formos pensar tem que ter o diálogo entre tudo isso”, pautou Ivana Lovo, professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).
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A especialista defendeu também a reversão do fechamento de escolas do campo e o fim da “crueldade” com crianças que levantam de madrugada e ficam horas no transporte escolar ou adolescentes que não conseguem fazer o sexto horário do Novo Ensino Médio porque moram longe da escola. Analise da Silva, coordenadora do Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais (Fepemg), cobrou a ampliação da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no campo.
Formação multidisciplinar
Já Tatiana Barrella, professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV), tratou da formação de professores do campo e da dificuldade em se entender a formação multidisciplinar, por áreas de conhecimento. Ela deu exemplo de concursos públicos que ainda são por disciplina e pontuou: “a própria classificação das escolas – entre do campo e urbanas – também precisa ser revista”.
Políticas públicas da União foram citadas por Clebson Souza de Almeida, professor de Licenciatura em Educação do Campo da UFVJM, como exemplos que poderiam ser adaptados para as EFAs, como o Prouni ou o programa de livros didáticos.
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Críticas ao governo
Entre as demandas, foram apresentadas inúmeras críticas ao governo Zema, que pouco aplica o que está previsto em lei e não tem a educação como prioridade em sua gestão. Taynara Guedes, aluna da UFV, disse que não queria “inventar a roda”, mas somente que o governo cumprisse o que está na lei para as escolas rurais: educação do campo gratuita, de qualidade e que respeite a diversidade. Rogério Jesus dos Santos, tesoureiro da Associação Mineira das EFAs (Amefa), também manifestou sua indignação. “É difícil entender como algo que transforma a nossa vida é tão desprezado”, lamentou.
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Roseli Augusto, da Comissão Pastoral da Terra, defendeu um marco legal para as EFAs. Ela propôs que esta lei, proposta pelo deputado Leleco Pimentel, proíba o fechamento de escolas do campo, e lamentou a precarização dessas instituições pelo Governo do Estado. Vitória Evangelista, aluna da EFA de Araponga (Mata), deu seu depoimento em favor dessas unidades: “Elas focam em acolher os alunos, com uma pedagogia humana. Nos sentimos mais ouvidos, acolhidos. Somos ensinados a ter autonomia, a sermos articulados”.