Deputados e deputadas do Bloco Democracia e Luta integraram comitiva durante atividade da Comissão de Acompanhamento do Acordo de Mariana, nos dias 04 e 05/05/23. Ao percorrerem as regiões atingidas pelo rompimento de barragem do Fundão, em 2015, os parlamentares puderam ouvir moradores e conhecer de perto a realidade das comunidades afetadas pelo desastre/crime. A programação também incluiu duas audiências para discutir as negociações para a repactuação do acordo já celebrado entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, União e as empresas Samarco, BHP Billiton e Vale.
O crime da barragem de Mariana, considerado um dos maiores desastres ambientais do mundo, afetou diretamente agricultores, pescadores e comunidades rurais, com danos ainda a indígenas da região. O presidente da Comissão, deputado Ulysses Gomes (PT), explicou que o objetivo da atividade foi percorrer os locais afetados ao longo do Rio Doce para colher informações que possam subsidiar a construção de um novo acordo para os atingidos, garantindo a participação ativa da população no processo.
A LAMA CONTINUA
Uma das revelações que causou indignação entre os participante é a de que apenas cerca de cinco por cento dos rejeitos que desembocaram no lago da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, conhecida como Candonga, no município de Rio Doce, foram retirados pela Samarco. Segundo Roberto Schaefr, gerente do Consórcio Candonga, dos aproximadamente 10 milhões de metros cúbicos de rejeitos levados a esse trecho do Rio Doce, apenas 570 mil metros cúbicos foram retirados pela mineradora, em 2022. A quantidade foi suficiente para que a estrutura voltasse a ser operada.
Em 2016, dragagens emergenciais foram feitas, mas, segundo o prefeito de Rio Doce, Mauro Pereira Martins, não houve retorno da Samarco com um planejamento para continuar a retirar os rejeitos do lago da usina. O procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva declarou que ficou surpreso com a baixa quantidade de rejeitos retirada e afirmou que o risco ambiental é grande.
A deputada Bella Gonçalves (Psol) manifestou grande preocupação em relação à falta de reparação dos danos e à omissão das empresas.
“Foi retirado o rejeito para gerar lucro e não por uma preocupação social e ambiental, já que a maior parte continua lá”, alertou a parlamentar.
O Acordo de Mariana
A Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana, instituída este ano pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), foi criada para acompanhar as negociações sobre a repactuação, com a finalidade de assegurar a justa reparação dos danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, há quase 8 anos. A iniciativa surgiu após serem detectados atrasos, descumprimentos de cláusulas e incertezas quanto ao término do processo. O objetivo é debater, obter informações e cobrar celeridade na assinatura de um novo acordo que restaure os prejuízos socioambientais e socioeconômicos.
O desastre/crime aconteceu em 5 de novembro de 2015, na cidade de Mariana, deixando 19 mortos e um rastro de destruição ao longo da bacia do Rio Doce, que chegou até o litoral do Espírito Santo. Em março de 2016, foi assinado o “Acordo de Reparação dos Impactos“.
Desde então, muitas denúncias apontam para várias injustiças, que afetam diretamente a população atingida.
Atingidos relatam impactos sociais
Durante a visita técnica, a Comissão concluiu que os municípios de Aimorés, Governador Valadares, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Barra Longa continuam sendo duramente afetados. Os deputados foram até as localidades acompanhados de representantes da Advocacia-Geral da União, da Secretaria-Geral da Presidência da República e do Ministério do Desenvolvimento Social, além da Assessoria Técnica Independente, que defende os atingidos para garantir sua participação nas negociações. Nas comunidades visitadas, existem inúmeras incertezas em relação à reparação dos danos causados pela avalanche de rejeitos.
Aimorés
Barra do Manhuaçu
A primeira verificação foi feita na Barra do Manhuaçu, localidade próxima ao Córrego do Baixio, onde há um desvio do Rio Doce, com um canal para garantir água limpa à usina hidrelétrica de Aimorés. Após o rompimento em Mariana, foi feito um dique de contenção para que os rejeitos de Fundão não passem nas turbinas.
Porém, de acordo com o presidente da Associação dos Pescadores e Trabalhadores de Aimorés (Apetra), Benilde Madeira, quando as comportas são abertas, todo esse material é jogado no rio. Isso resulta no assoreamento do Rio Doce, que provoca enchentes em volume maior ao que era o natural, marcando a fachada de casas com os restos de lama.
Outro problema apontado pelo representante da associação é a dificuldade na concessão de auxílios financeiros para os pescadores. Os trabalhadores reclamam que, sem condições de pescar, não há como sustentar suas famílias. Por isso, a categoria reivindica um programa específico para os pescadores no acordo de repactuação de Mariana, com o objetivo de vencer as burocracias que adiam as reparações.
Já os representantes do povo indígena Puri, que vivem no município vizinho de Resplendor, relataram à comissão que um dos maiores problemas enfrentados é que o Ministério Público não os reconhece como indígenas. Logo, essas comunidades não são vistas como atingidas pela mineração.
Na parada seguinte, na sede da Associação Aripa, surgiram novas declarações de danos aos indígenas. A Cacique Miniamá Puri Meire relatou que a Fundação Renova e a Vale não os reconhecem como atingidos, mesmo com a validação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
“Tiraram todo o nosso sustento da pesca e o nosso direito de ter nossa convivência sagrada e espiritual com o rio”, declarou.
Governador Valadares
Comunidade Ilha Brava
Os ilheiros de Governador Valadares sofrem com uma situação semelhante quanto à falta de reconhecimento, segundo relatos feitos na comunidade de Ilha Brava. Os parlamentares atravessaram o Rio Doce observando o que a lama de rejeitos causou a um solo que era fértil.
A região era formada por várias ilhas, que foram sendo “unidas” pela lama de rejeitos acumulados, que compactaram o solo e assorearam o rio. No local, os peixes estão contaminados e o plantio ficou comprometido.
Bairro Santa Rita
Também em Governador Valadares, no bairro Santa Rita (Baixa do Quiabo), vários moradores se queixaram dos danos causados pelo desastre, que continuam devido o não cumprimento do que foi prometido no primeiro acordo de Mariana. A costureira Luíza Helena relatou que, quando Fundão se rompeu, ela perdeu todas as máquinas que lhe traziam renda. Ela também contou que, em uma das últimas enchentes, a água quase chegou ao segundo andar da sua residência.
Rio Doce
Moradores do município de Rio Doce explicam que estão com a saúde debilitada. Leandro Gonzaga, que vive na cidade, relatou que a população não pode mais usar o rio para tirar seu sustento, seja pescando ou tirando areia, e nem para se alimentar dos peixes e para o lazer.
Ele também critica a Fundação Renova, que foi criada para fazer a reparação após o rompimento. De acordo com o morador, a fundação não reparou devidamente os atingidos e não tem critérios em relação a quem vai receber as indenizações e quais os valores.
“Depois que a barragem se rompeu, ela matou o rio e a gente também, porque a gente sempre viveu aqui e desse rio.”
Santa Cruz do Escalvado
Os deputados também se deslocaram para Santa Cruz do Escalvado, na Zona da Mata, onde a representante da Comissão dos Atingidos do município, Silvana Arlindo de Pinto, declarou que 60% dos moradores atingidos na comunidade de Nova Soberbo não receberam indenização. Ela também contou que a população já havia sido atingida pela construção da usina, em 2002. Segundo a coordenadora, as pessoas foram retiradas de suas casas, deslocadas para essa comunidade e agora perderam seu sustento devido à dependência do rio.
Barra Longa
Em Barra Longa, localizada na região do Rio Doce, os deputados e deputadas continuaram a ouvir os atingidos que ressaltaram a falta de uma reparação justa. Existem denúncias que apontam para indenizações de valores mínimos para reconstrução de moradias e uma garantia de apenas 3 meses concedida pela Samarco para o pagamento de aluguel.
Audiência em Antônio Pereira
As atividades da Comissão Extraordinária foram finalizadas com uma audiência pública na Escola Estadual Professora Doura de Carvalho Neto, em Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto (Região Central do Estado). Vários aspectos foram pontuados, como o impacto que alguns moradores e o comércio de Antônio Pereira sofreram, o perigo que a inativa Barragem de Doutor representa para a região e o prejuízo gerado pela Vale no garimpo familiar. Os moradores ainda reclamaram do abandono da localidade que não vem tendo nenhum tratamento do esgoto, além do trânsito pesado na LMG-129, em função da mineração.
As prefeituras das cidades atingidas manifestaram sua insatisfação, pois em primeiro momento não participaram da construção do acordo para reparação, o que levou à formação de uma associação. Agora, o grupo pede que a repactuação seja feita envolvendo diretamente as prefeituras.
Comissão vai acompanhar Novo Acordo de Mariana
Os parlamentares Ulysses Gomes (PT) e Doutor Jean Freire (PT), respectivamente presidente e vice-presidente da Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana, além de outros integrantes do Bloco Democracia e Luta, Beatriz Cerqueira (PT), Bella Gonçalves (Psol), Leleco Pimentel (PT) e Macaé Evaristo (PT) participaram das visitas e puderam ver de perto a situação das comunidades e e os impactos ambientais e sociais na região. Vários deles publicaram registros da viagem que ilustram o cenário de destruição e precariedade:
O presidente da Comissão, deputado Ulysses Gomes, ressaltou que os levantamentos vão servir para atualizar a Assembleia de Minas e também o Ministério Público e os governos federal e estadual sobre a situação dos atingidos, passados todos esses anos.
Ulysses pontuou a necessidade urgente de averiguar as verdadeiras demandas da população:
“Vamos fazer um levantamento real da situação, para que saia um acordo a partir das necessidades reais (…). A luta aqui é para que esse acordo saia do papel porque tem muita gente esperando por isso, e esperando há muito tempo”
Ele também defendeu que a ALMG tenha participação ativa nesse acordo de repactuação e postou imagens do rio em sua conta no Instagram:
Para a deputada Beatriz Cerqueira (PT), a principal atribuição no momento é suspender a violação de direitos dos atingidos, garantindo que sejam ouvidos, pois são eles os mais afetados pelo crime continuado da Samarco. A parlamentar também ressaltou que as atividades de acompanhamento vão continuar e se estender a outros territórios afetados que não foram visitados nessa ocasião.
Já a deputada Macaé Evaristo (PT) disse que o trabalho para construir um novo pacto com os atingidos é amplo frente a muita destruição e abandono por parte das mineradoras que nada fizeram para garantir qualquer reparação dos incalculáveis danos que causaram. A parlamentar destacou a importância presença de representantes da Advocacia-Geral da União, da Secretaria-Geral da Presidência da República e do Ministério do Desenvolvimento Social, durante as visitas.
“O minério que está debaixo da terra não pode valer mais que a vida das pessoas (…). É muito importante poder contar com um Executivo Federal que tem compromisso com os mineiros e com justiça, já que o governo do estado se mantém leal aos milionários que expropriam as riquezas de Minas Gerais e penalizam nossa população.”
O deputado Leleco Pimentel (PT) também ponderou que, diferentemente do período do acordo inicial de Mariana, o governo federal na atual gestão está empenhado na justa repactuação, fazendo aquilo que a Renova e a Vale não têm feito.
O vice-presidente da Comissão, deputado Doutor Jean Freire, se manifestou em suas mídias sociais em sintonia com os colegas de bloco. O parlamentar reforçou o impacto imensurável na vida de milhares de pessoas em Minas Gerais e se comprometeu a lutar, junto à comissão, para amenizar os danos dessa situação degradante.
“A lama da Vale levou embora parentes e amigos, contaminou as águas, a terra e destruiu o modo de vida de milhares de pessoas. Perdas que nenhum acordo é capaz de reparar. Mas, ainda assim, é preciso que as empresas sejam devidamente responsabilizadas e as pessoas atingidas sejam, de fato, ouvidas e consigam recuperar pelo menos parte do seu modo de vida, que voltem a ter terra e água saudáveis para plantar e viver”, disse o parlamentar.
Com informações da Ascom/ALMG