Documento mostra, ainda, ineficiência da Fundação Renova no cumprimento do Acordo e na reparação de danos aos atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão
Criada em março deste ano, a Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana teve seu relatório final de atividades aprovado, nessa quarta-feira (29/11/23). O relator e presidente da Comissão, deputado Ulysses Gomes (PT) destacou a importância do trabalho de escuta dos atingidos e a recomendação de que os recursos sejam direcionados para as pessoas e regiões diretamente afetadas pelo crime, ocorrido há oito anos, que deixou 19 mortos e causou uma enxurrada de lama, inundando o distrito de Bento Rodrigues e várias cidades ao longo do Rio Doce.
“Diante de todo o trabalho que fizemos de ouvir os atingidos na Comissão e de acompanhar a situação nas visitas ao longo desse período, o relatório traz essa orientação de que todo o recurso seja priorizado aos atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão. É uma sugestão que está em sintonia com o governo federal, que defende a aplicação dos recursos na área atingida pela lama, ou seja, nos municípios da bacia do Rio Doce e, em especial, para os atingidos”, afirmou o parlamentar.
A comissão também concluiu que a reparação dos danos aos atingidos ainda não aconteceu por ineficiência da Fundação Renova, que conduz o processo sem a participação da população.
O relatório aponta que, apesar de ter sido criada para executar as ações de reparação de danos, tanto atingidos quanto autoridades reconhecem a sua ineficiência. Segundo o documento, a fundação violou diversos direitos já acordados da população que teve a vida destruída pelo rompimento da barragem. A ALMG não teve acesso às negociações do novo acordo de Mariana e a Renova não compareceu às reuniões realizadas pela comissão.
Após visitas técnicas e audiências públicas com escuta dos relatos de todas as partes, concluiu-se que houve atrasos e descumprimentos das cláusulas desse acordo, o que prejudicou comunidades atingidas e comprometeu a recuperação do Rio Doce, no entendimento da comissão.
Cumprimento do acordo
A Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana foi criada com o objetivo de avaliar o cumprimento do acordo de reparação firmado em 2016 pela União, pelos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e pelas empresas Samarco, BHP Billiton e Vale.
Passados oito anos do rompimento da Barragem, um novo acordo de reparação de danos está sendo pactuado. Porém, as negociações ocorrem de maneira velada, sem a participação dos atingidos, segundo o relatório final da comissão. O presidente da comissão extraordinária repudiou o sigilo do processo e afirmou que o acordo foi feito de forma arbitrária e prejudicial à legitimação das negociações e à verdadeira reparação.
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Ulysses Gomes ainda lamentou que a ALMG tenha sido excluída desse processo e que muitas reivindicações dos atingidos não foram atendidas até hoje. De acordo com ele, são recorrentes as reclamações que levam à judicialização de demandas individuais. Para o parlamentar, a individualização do processo de negociação não é a maneira adequada de lidar com problemas de interesse público.
Novo acordo de Mariana precisa garantir direitos dos atingidos
No relatório final também é recomendado que o novo acordo de Mariana leve em consideração a oferta de trabalho e moradia digna e a garantia de direitos dos atingidos, além da reparação dos territórios afetados pela lama de rejeitos. O documento também lembra que vários sujeitos de direitos foram invisibilizados e não receberam nenhuma reparação pelos danos sofridos. É o caso de pescadores, ribeirinhos e comunidades indígenas às margens do Rio Doce.
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A comissão ainda defendeu a participação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce nas negociações e reforçou a importância das assessorias técnicas interinstitucionais (ATIs), para garantir a participação informada dos atingidos nesse processo. De acordo com Ulysses Gomes, os trabalhos da comissão terão continuidade até a celebração desse novo acordo. Os parlamentares pretendem avaliar se a nova repactuação vai atender as necessidades das pessoas que tiveram suas vidas afetadas pelo rompimento da barragem de Fundão.
“Espero que este relatório contribua para a mudança dessa perspectiva e que a repactuação venha de fato melhorar a vida dos atingidos. É inaceitável que, depois de oito anos, não haja um redirecionamento dos bilhões de reais que serão investidos”
Ulysses Gomes (PT), líder do Bloco Democracia e Luta
O deputado Leleco Pimentel (PT) ainda alertou que há indícios graves de corrupção no processo de reparação de danos conduzido pela Fundação Renova e defendeu que o TCU investigue a responsabilidade da entidade. Essa recomendação foi incorporada ao relatório final. Já o deputado Doutor Jean Freire (PT), em seu discurso, considerou um crime o rompimento da barragem de Fundão e reforçou que as pessoas que mais sofreram não foram devidamente reparadas.
“A vida não vai voltar como era antes. O Rio Doce não vai voltar como era antes”
Deputado Jean Freire (PT), líder da Minoria
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Relatório será encaminhado a órgãos federais
O relatório da comissão será encaminhado para diversos órgãos, como Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, Ministérios Públicos Federal e Estadual, Defensoria Pública, Advocacia-Geral do Estado (AGE), Tribunal de Contas da União (TCU) e Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce.
O deputado Celinho Sintrocel (PCdoB) teve aprovado requerimento de sua autoria para encaminhar ao TRF-6, que conduz as negociações do novo acordo de Mariana, pedidos de pavimentação de estradas com os recursos que serão desembolsados pela Samarco.
Fonte: ALMG