A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizou audiência pública na quinta-feira (16/5/24), para debater as medidas de monitoramento e segurança adotadas em relação aos riscos de ocorrência de eventos climáticos extremos no estado. O desafio discutido ao longo de mais de sete horas foi evitar que se repita o que aconteceu em Porto Alegre e dezenas de cidades gaúchas, que estão literalmente embaixo d’água. O requerimento da reunião foi feito pela deputada estadual do Bloco Democracia e Luta Beatriz Cerqueira (PT).
A tragédia ambiental, social e econômica no Sul do país foi comparada diversas vezes aos rompimentos das barragens de rejeitos de mineração em Mariana (2015) e Brumadinho (2019). Por isso, participaram da reunião autoridades e especialistas mineiros e gaúchos para traçar um paralelo entre as duas situações e tentar avaliar se a infraestrutura, o financiamento e as ações de monitoramento e segurança dos órgãos ambientais e de defesa civil são suficientes para o caso de eventos climáticos extremos em Minas Gerais.
Entre os principais riscos que ameaçam a segurança de milhares de cidadãos mineiros em caso de eventos climáticos extremos apontados durante a audiência estão o grande número de barragens e situação de risco e o enfraquecimento dos órgãos de fiscalização ambiental, prática já conhecida do Governo Zema.
A deputada autora do requerimento comparou os governos de Eduardo Leite, no Rio Grande do Sul, e de Romeu Zema, em Minas Gerais, desde 2019, com o afrouxamento da legislação ambiental para facilitar a ação de empreendimentos econômicos de alto impacto ambiental. E, na outra ponta, a negligência no funcionamento de órgãos ambientais e na conservação da infraestrutura preventiva.
No Rio Grande do Sul, a falta de manutenção de comportas e bombas hidráulicas tornou inevitável a invasão de boa parte da capital Porto Alegre pelas águas. Já em Minas, o comando do setor de fiscalização ambiental já foi trocado 11 vezes e foram colocados militares no local de técnicos.
A deputada cobrou a fiscalização pelo Poder Executivo da aplicação de todos os dispositivos que constam da Política Estadual de Segurança de Barragens, instituída pela Lei 23.291, de 2019, mais conhecida como Lei Mar de Lama Nunca Mais. É o caso, por exemplo, da caução ambiental para os empreendimentos já instalados ou a serem implantados e, ainda, a desativação de barragens.
“Mas não estou otimista quanto a isso de um governo que não dá conta sequer de cuidar dos elevadores da Cidade Administrativa”, afirmou Beatriz Cerqueira, lembrando a recente pane nesses equipamentos, na sede do governo.
“Em Minas Gerais, o crime ambiental compensa. Se a barragem rompe, o governo depois fatura com a compensação. Ou então negocia um termo de ajustamento de conduta, o TAC, para ver quanto a empresa está disposta a pagar. Mas já está provado que isso não funciona, aqui e no Rio Grande do Sul.”
Deputada Estadual Beatriz Cerqueira (PT)
“Fica a lição para nós deputados, pois não adianta ser solidário com o povo gaúcho e cometer os mesmos erros. Na Assembleia, a gente discute muito temas do meio ambiente, mas na hora do voto sempre perdemos para os setores econômicos que se mobilizam politicamente”, lamentou Beatriz Cerqueira.
A deputada Bella Gonçalves (PSOL), também membro do Bloco, esteve presente. “É a banalidade do mal”, resumiu ao criticar o desmonte de leis e da fiscalização ambientais nos dois estados. Segundo ela, diante das tragédias recentes, todos os esforços das autoridades mineiras deveriam estar focados na construção de um Estado mais resiliente a mudanças climáticas.
Frente à resposta superficial aos questionamentos apresentados oficialmente por ela à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), à Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) e à Agência Nacional de Mineração (ANM), Bella Gonçalves cobrou ainda a elevação dos parâmetros de risco das barragens no Estado. E, para ilustrar o risco representado por essas estruturas num cenário de eventos climáticos extremos, ela lembrou que, depois da enchente, vêm a falta de energia elétrica e de água potável e as doenças.
Minas Gerais tem atualmente cerca de 350 barragens de rejeitos, 40% do total do País, 63 delas no Rio das Velhas. Nesse rio, fica a Estação de Tratamento de Bela Fama (Nova Lima), de onde vem cerca de 70% da água que abastece a Capital e 40% da Região Metropolitana.
A deputada Ana Paula Siqueira (Rede) lembrou o balanço de mortos, desaparecidos e desabrigados pelas chuvas no Rio Grande do Sul, ao cobrar mais consciência para o risco representado pelas mudanças climáticas. “Mesmo uma tragédia agora longe daqui traz efeitos para todos. Basta lembrar que, desde o Katrina, já é adotado o conceito de refugiado climático”, ilustrou, ao citar o furacão que assolou o Sul dos Estados Unidos em 2005.
Além dos questionamentos feitos ao longo da audiência, diversos requerimentos foram formulados pedindo novas informações a órgãos como a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e a Defesa Civil.
Barragens representam perigo em um cenário de mudanças climáticas
A emergência climática ressalta a fragilidade das antigas barragens, segundo Alexânia Rossato do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Com 26 mil barragens no Brasil, 10 mil têm risco de rompimento, impactando principalmente os mais pobres.
De acordo com ela, o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (Snisb) apontaria cerca de 26 mil barragens no país, 10 mil delas com algum grau de risco de rompimento. “São estruturas antigas que não comportam grande quantidade de chuvas. Quando rompem, quem mais sofre, como sempre, é a população mais pobre”, alertou.
Como exemplo, ela apontou o estado de abandono, há mais de dez anos, de uma barragem do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) em Porto Alegre que, se romper, vai agravar a inundação na região da capital. Segundo ela, desde o início das chuvas mais fortes em 29 de abril último, 92% dos municípios gaúchos registraram algum tipo de dano. O ouvidor-geral da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul e o MAB concordam que não há barragens seguras em emergência climática devido à falta de vistoria em milhares delas.
Lucas Pardini Gonçalves, do Centro Regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente, salientou a dificuldade de prevenir desastres ambientais sem experiência prévia, destacando o desafio no campo do direito ambiental. Por isso, o procurador Angelo Giardini de Oliveira, do Ministério Público Federal, enfatizou a importância da caução ambiental, que possibilita ações preventivas, recuperação de áreas exploradas e respostas mais ágeis a desastres ambientais, especialmente em relação às barragens. Ele também observou a falta de consideração das mudanças climáticas na legislação de barragens e alertou para a necessidade urgente de garantir a segurança das pilhas de estéril, uma prática cada vez mais comum na atividade minerária, especialmente após os desastres de Mariana e Brumadinho.
Defesa Civil reconhece que falta estrutura
O coronel Carlos Frederico Otoni Garcia, chefe do Gabinete Militar do Executivo e coordenador estadual da Defesa Civil de Minas Gerais, destacou a necessidade de proporcionar estruturas equipadas de Defesa Civil para todos os municípios do estado. Atualmente, 20 municípios não possuem esse órgão, e em muitos outros, a representação é limitada. Apesar de reconhecer que a estrutura de equipamentos e pessoal ainda não está ideal, ele ressaltou a importância de abordar outras frentes na gestão de riscos, como o uso e ocupação adequados do solo.
“Eventos severos fruto da mudança climática já aconteceram, o que tem mudado é a recorrência e a intensidade. A chuva por si só não mata, o que causa as mortes e danos é a associação de outros fatores, como vulnerabilidade e o grau de exposição”, justificou.
Ambientalistas defendem legislação mais rígida
Ambientalistas expressaram preocupação com a atuação do Estado, destacando que os eventos extremos não são apenas resultado das mudanças climáticas, mas principalmente da intervenção humana.
Euler de Carvalho Cruz, presidente do Fórum Permanente São Francisco, alertou que o planeta já ultrapassou os limites de segurança em indicadores como poluição do ar, erosão, contaminação da água e mudanças climáticas, prevendo uma intensificação das desgraças.
Já o vice-presidente do Fórum Permanente São Francisco, e ex-Superintendente Regional do Ibama, Julio César Dutra Grillo, afirmou que as consequências das chuvas intensas em Minas Gerais seriam ainda mais devastadoras do que em outras regiões. Ele destacou a necessidade de o governo do Estado agir com mais rigor e celeridade.
O integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andrioli, acredita que Minas não esteja preparada para eventos dessa magnitude. “Precisamos discutir novos modos de produção, que podem gerar mais emprego, tecnologia e proteger o meio ambiente. É possível outra racionalidade produtiva”.
Tatiana Ribeiro de Souza e Karine Gonçalves Carneiro, do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais da Universidade Federal de Ouro Preto (GEPSA), enfatizaram a necessidade de responsabilização de empreendimentos e políticos pelos danos ambientais que estão resultando em desastres extremos.
“Há uma tentativa de passar para a natureza a culpabilização daquilo que não é natural. Eventos climáticos extremos e mudanças climáticas são desastres criados”, denunciou Karine Carneiro. “O desastre é uma cadeia de acontecimentos que não termina com o evento crítico. As obras de reparação causam problemas de saúde, econômicos e abertura de novos negócios abertos por eles”, completou Tatiana Souza.
*Matéria elaborada com informações da ALMG