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Crime de Mariana: atingidos por barragem convivem com água contaminada há 9 anos

Em audiência da Comissão de Administração Pública, representantes de comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, denunciaram a má qualidade da água e a falta de escuta da população em acordos firmados entre o poder público e as mineradoras responsáveis pela tragédia.

Atingidos por barragem de Fundão em Mariana convivem com água contaminada há 9 anos
Foto: Guilherme Dardanhan

Moradores de 16 comunidades afetadas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (Central), em 5 de novembro de 2015, participaram de audiência pública na Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nessa segunda-feira (17/6/24). Durante a reunião, eles denunciaram a baixa qualidade da água fornecida pela Renova, fundação criada pelas mineradoras Vale, BHP e Samarco para reparar os danos causados pelo crime cometido há quase nove anos. A audiência foi convocada a partir de um requerimento da deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), integrante do Bloco Democracia e Luta.

Além dos representantes das comunidades atingidas, autoridades e entidades também participaram da reunião, que teve como foco a qualidade da água nas comunidades de municípios afetados, especialmente em Belo Oriente e Caratinga, ambos no Vale do Rio Doce. O consenso entre os participantes foi claro: o progresso na reparação é insatisfatório diante da gravidade dos problemas. O assunto também foi discutido anteriormente neste ano, em maio, no âmbito da Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Doce (Ciper Rio Doce), por iniciativa do deputado estadual do Bloco, Leleco Pimentel (PT), vice-presidente da comissão. 

Durante audiência dessa segunda, Henrique Lacerda, coordenador do Programa Médio Rio Doce da Associação Estadual de Defesa Socioambiental (Aedas), destacou que os danos observados nas comunidades de Cachoeira Escura, em Belo Oriente, e na Ilha do Areal do Rio Doce, em Caratinga, também são vistos em outras localidades. Ele entregou à deputada Beatriz Cerqueira um relatório sobre o abastecimento de água desses locais e uma compilação com suas reivindicações. 

Lacerda citou o que seria uma clara violação, pela Renova e pelo poder público, do direito ao acesso à água, no que diz respeito tanto à quantidade quanto à qualidade. Detalhou que o crime da Vale comprometeu a estrutura de saneamento básico, tendo como consequência danos à saúde física e mental de moradores, com muitos deles aumentando o consumo de álcool e outras drogas.

Outro prejuízo para as populações seria a interrupção das cadeias produtivas locais, com seus circuitos de troca e cooperação econômica, e ainda, a paralisação de atividades agrícolas e pecuárias, uma vez que frutos e outros alimentos cultivados estariam todos contaminados.

No aspecto cultural, Lacerda detectou que houve perda de relações religiosas e ancestrais com a água do rio, agora poluído. Além disso, o lazer foi comprometido, uma vez que muitas pessoas se banhavam no Rio Doce, ou pescavam nele.

Como reivindicações, o gestor colocou o acesso à água em quantidade e qualidade adequadas, por meio de estudos que incluam análises toxicológicas e a adoção de métodos de captação, consagrados pelas comunidades. Também defendeu o reconhecimento da condição de atingidos para pessoas e comunidades não contempladas, incluindo a garantia de direitos aos povos e comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas e ribeirinhos. E pediu a realização de obras de prevenção a enchentes.

A deputada Beatriz Cerqueira criticou a ausência – mais uma vez – de representantes da Renova na reunião e lamentou a demora para a resolução de problemas decorrentes de um crime ocorrido em 2015. “A Fundação Renova, criada para reparar os danos, não repara, mas renova o crime; o Rio Doce foi assassinado pela Vale, que matou também 20 pessoas, fora outras que adoeceram e depois morreram”, apontou.

“Essa contaminação causa um processo de adoecimento geracional. Por isso, a audiência é importante para buscarmos soluções que garantam aos atingidos o direito de serem ouvidos e de denunciarem, para que esse crime nunca seja esquecido e para que não sejamos enganados pelas propagandas enganosas da Vale”

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Deputada Estadual Beatriz Cerqueira (PT)

Moradores denunciam água avermelhada

Nilsa Silva, da Comissão dos Atingidos de Aimorés (Rio Doce), reclamou que ela e outros moradores do distrito de Santo Antônio do Rio Doce não foram contemplados pelo auxílio da Vale. Segundo ela, a água que recebem, avermelhada, vem por caminhão-pipa, mas não é feita inspeção da qualidade. O grande tráfego tem produzido rachaduras nas casas e a ingestão da água provoca alergias e outras doenças. “Os pés de manga estão contaminados, os animais também”, afirmou. 

Itamar Maciel, da Comissão de Atingidos da Cachoeira Escura, exibiu vídeo em que moradores mostram rejeitos na água captada para atender ao distrito. “Queremos água de qualidade, para a vida e não para a morte”, gritaram os participantes.

A indígena Meire Gomes, do movimento de ressurgência Puri, entoou cantos em sua língua tradicional para sensibilizar as empresas e autoridades a melhorarem o atendimento à comunidade. Ela rechaçou a realização de qualquer acordo de repactuação sem a participação dos atingidos, propondo a obediência ao Plano Nacional dos Atingidos por Barragens. “Muitos, que tinham ligação forte com o rio, estão desistindo de si mesmos, com depressão, ansiedade”, lamentou.

Thiago Alves, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), propôs o abastecimento de água, com responsabilização da Copasa e de SAAEs municipais pela qualidade das fontes de captação.

Ao final da audiência, Beatriz Cerqueira disse que cobrará providências através de requerimentos para os questionamentos trazidos. Adiantou que realizará nova reunião para cobrar explicações da Copasa quanto à má qualidade da água.

Sem participação das comunidades não há justiça e reparação

Além dos problemas relacionados à qualidade da água oferecida, os atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana denunciam que não têm assento na mesa de negociações para o novo acordo de reparação dos danos, discutido na justiça federal. Chamado de repactuação, esse já é o terceiro acordo a ser firmado entre os governos federal e estadual e as mineradoras Vale, BHP e Samarco.

Na última quarta-feira (12/6/24), as empresas responsáveis pelo crime anunciaram uma nova oferta de R$ 140 bilhões. No entanto, o número inclui R$ 37 bilhões já desembolsados desde 2015, além de R$ 21 bilhões reservados para programas de recuperação na Bacia do Rio Doce. Assim, restariam R$ 82 bilhões em dinheiro novo, valor que fica abaixo dos R$ 109 bilhões pedidos pelo poder público, com pagamentos ao longo de 12 anos. Além da falta de consenso a respeito do valor, as empresas ainda buscam se eximir da responsabilidade da retirada da totalidade dos rejeitos do Rio Doce.

“Nós já temos dois acordos anteriores na bacia do Rio Doce onde não houve participação dos atingidos e eles não foram executados totalmente até hoje e não funcionaram. Inclusive, temos vários direitos ainda violados e várias questões a se resolver na bacia do Rio Doce, justamente porque os acordos foram feitos sem participação dos atingidos”, afirmou Letícia Oliveira, coordenadora do movimento dos atingidos por barragens. 

Atingidos protestam

Antes da reunião na Assembleia nesta segunda, os atingidos realizaram mobilização em frente ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), responsável por mediar as tratativas sobre o novo acordo. Eles denunciaram a falta de participação popular nas negociações sobre o acordo de reparação pelos danos causados pelo rompimento da barragem.

Após a mobilização no TRF-6, os manifestantes seguiram para a sede do Ibama para denunciar a articulação do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), que, segundo o MAB, busca impedir que municípios brasileiros processem mineradoras em cortes internacionais. Leticia Oliveira, também da coordenação nacional do MAB e moradora de Mariana/MG, afirma: “os atingidos estão muito preocupados e assustados com esses anúncios nas mídias, pois não sabem nada sobre esse acordo e o que será feito com os recursos” . Ela enfatiza que a repactuação só será justa se os atingidos participarem das decisões e garantiu que continuarão cobrando das instituições de justiça e do governo federal uma postura que assegure a participação popular.

Quase 9 anos sem reparação

O rompimento da barragem da Samarco, localizada no município de Mariana (MG), ocorreu em 5 de novembro de 2015. Na ocasião, cerca de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos escoaram pela Bacia do Rio Doce. Dezenove pessoas morreram e houve impactos às populações de dezenas de municípios até a foz no Espírito Santo.

Em março de 2016, a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billiton, a União e os governos mineiro e capixaba firmaram um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) estabelecendo uma série de ações reparatórias. O documento trata de questões variadas como indenizações individuais, reconstrução de comunidades destruídas, recuperação ambiental, apoio aos produtores rurais, etc.

Todas as medidas são conduzidas pela Fundação Renova, criada com base no acordo. As mineradoras são responsáveis por indicar a maioria dos membros na estrutura de governança da entidade. Cabe a elas também garantir os recursos necessários.

Passados oito anos e sete meses do episódio, ainda há diversos problemas não solucionados. Tramitam no Judiciário brasileiro mais de 85 mil processos entre ações civis públicas, ações coletivas e individuais. Em busca de uma solução, as negociações para uma repactuação se arrastam há mais de dois anos.

*Matéria elaborada com informações da ALMG e Agência Brasil

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