O Seminário da Igualdade Racial, que chegou à etapa final nesta semana na ALMG, teve como objetivo ampliar o debate sobre o Projeto de Lei (PL) 817/23, que institui o Estatuto da Igualdade Racial no Estado. O PL é uma iniciativa das deputadas negras do Bloco Democracia e Luta.
Nesta quarta-feira (21/8/24), foi concluída a plenária final do Seminário Legislativo Estatuto da Igualdade Racial, com a aprovação de 86 propostas resultantes de um extenso processo de discussão. O evento, que contou com encontros regionais realizados entre maio e julho em diversos municípios do estado, visou subsidiar o processo legislativo e ampliar o debate sobre o Projeto de Lei 817/23, que institui o estatuto. O PL é de autoria das deputadas negras do Bloco Democracia e Luta: Leninha (PT), 1ª vice-presidenta da ALMG; Macaé Evaristo (PT), líder da Bancada Feminina; Andréia de Jesus (PT), presidenta da Comissão de Direitos Humanos; e Ana Paula Siqueira (Rede), presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher.
O objetivo do projeto de lei é combater a discriminação racial e étnica, promover a igualdade de oportunidades, garantir o acesso aos direitos fundamentais, além de modificar as estruturas do Estado, adequar a legislação, apoiar iniciativas da sociedade civil e fomentar políticas de inclusão e ações afirmativas em diversas áreas. Ao longo do processo, além dos encontros regionais foi realizada uma consulta pública no portal da ALMG para coletar sugestões para o documento. No total, cerca de 1.100 pessoas participaram das atividades no interior e na capital.
Das 86 propostas aprovadas, 56 se referem ao tema Direito à Vida Digna, Acesso ao Meio Ambiente Saudável, ao Trabalho, à Justiça e à Segurança; 21, ao tema Combate ao Racismo, Ações Afirmativas e Diversidade Religiosa; e 9, ao tema Financiamento de Políticas Públicas, Representatividade e Participação Social. Cada tema foi conduzido por uma coordenadora, que compôs a mesa de trabalhos, permitindo que os participantes inscritos apresentassem argumentos contrários ou favoráveis a cada proposta. Além dessas sugestões, o documento final vai contemplar também diversas outras propostas que foram aprovadas de forma definitiva nos grupos de trabalho realizados nesta etapa de encerramento.
Para a deputada Andréia de Jesus, o saldo do seminário é muito positivo. Ela destacou que o desafio agora é garantir a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial.
“Nós sabemos do desafio que temos internamente para conseguirmos aprovar projetos. São muitas demandas e precisamos garantir que a vontade do povo seja de fato considerada”
Deputada Estadual Andréia de Jesus (PT), presidenta da Comissão de Direitos Humanos
A deputada Macaé Evaristo, líder da Bancada Feminina na Assembleia, destacou a importância do evento para subsidiar o aprimoramento do Projeto de Lei 817/23, que institui o estatuto. Atualmente, a matéria aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
“Agora temos uma grande tarefa interna na Assembleia: produzir um substitutivo, tramitar pelas comissões e promover o debate, pois precisamos construir uma maioria em torno dessas propostas.”, afirmou.
Deputada Macaé Evaristo (PT), líder da Bancada Feminina
A deputada Ana Paula Siqueira também enfatizou a importância do evento. “Construímos aqui mais do que um documento. É um movimento, um esperançar”, afirmou.
“Muito além do dia 20 de novembro, seguimos promovendo a consciência negra para enfrentar as desigualdades e promover a justiça social.”
Deputada Estadual Ana Paula Siqueira (Rede), presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher
“A luta anti-racista passa, principalmente, por criar oportunidades. Nós estamos falando de várias políticas públicas. Como está a saúde para atender a população negra? Como está a questão do acesso à educação e à cultura que é tão rica no povo negro?“
Deputada estadual Leninha (PT), 1ª vice-presidenta da ALMG
A deputada Leninha também salientou a presença de mulheres negras no Parlamento. “Esta Casa ficou anos sem ouvir o som dos tambores do nosso povo. Nossa presença aqui é para garantir a voz e a vez da população negra”, afirmou.
No encerramento do Seminário, foi realizada a entrega simbólica do documento final com as propostas aprovadas ao presidente da Assembleia, deputado Tadeu Leite (MDB). Após a aprovação do documento final, foram eleitos 18 integrantes do comitê de representação do seminário. Outros sete membros são indicados por órgãos e entidades. Esse grupo vai acompanhar e avaliar, junto com a equipe técnica da ALMG, as propostas constantes no documento final do seminário, propondo sugestões de encaminhamentos e desdobramentos.
Coordenadoras destacam trabalho realizado
A professora e militante do movimento negro Priscila Lima foi a coordenadora do primeiro tema. De acordo com ela, analisar as propostas e construir o documento final a muitas mãos foi um processo satisfatório, porque tornou possível chegar a um texto que contempla toda a diversidade do Estado.
“A escuta é muito importante. As pessoas têm direito à fala. E essa é a riqueza de todo o processo.”
Priscila Lima
Coordenadora do segundo tema, Izabela Vial, que é estudante de Relações Públicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), enfatizou que o grupo buscou aprovar propostas relativas ao tema de forma ampla, tratando do combate ao racismo religioso até ações afirmativas.
Já a coordenadora do terceiro tema, a educadora social Rita Aragão, contou que as demandas por financiamentos são muitas e defendeu a importância da questão. “Se não tem financiamento, as políticas não são executadas”, destacou.
Propostas aprovadas no seminário
Algumas das propostas aprovadas no seminário se referem às seguintes questões:
- prestar atendimento integral de saúde básica aos povos ciganos, indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais e de matriz africana
- realizar análise epidemiológica sobre situação da saúde desses povos, identificando pontos que necessitem de fortalecimento para garantia do acesso aos serviços de saúde
- estruturar política de segurança alimentar para gestantes, puérperas e lactentes
- garantir manutenção de escolas quilombolas e indígenas, priorizando contratação de profissionais dessas comunidades
- garantir em editais anuais a manutenção de centros culturais, espaços, terreiros, casas e grupos de cultura afro-brasileira
- promover a demarcação e garantir o reconhecimento e a titulação de territórios de comunidades periferizadas e dos povos e comunidades tradicionais
- garantir formação dos policiais militares para abordagem aos indivíduos negros e ciganos
- estabelecer, em processos penais relacionados ao crime de racismo, obrigatoriedade de participação em cursos de letramento racial
- garantir a efetividade de políticas afirmativas e reparatórias nos concursos públicos estaduais e em processos seletivos
- assegurar o direito à isenção fiscal para casas religiosas de matriz africana, afro-brasileira, de povos originários e ciganos
- instituir programa de formação e capacitação permanentes voltados a grupos historicamente discriminados
- garantir que o Estado destine orçamento para políticas públicas para a promoção da igualdade racial
Estatuto já existe em âmbito federal
Criado durante o governo Lula, o Estatuto em âmbito nacional foi instituído pela Lei 12.288, de 2010, que estabeleceu o sistema e as principais políticas públicas para a promoção da igualdade racial nas áreas de saúde, educação, cultura, esporte, lazer, liberdade de consciência e de crença, acesso à terra e moradia, trabalho e meios de comunicação.
A norma ainda determinou que a lei orçamentária deve explicitar os recursos para o financiamento de políticas públicas para a promoção da igualdade racial e estabeleceu o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, a fim de articular e de apoiar todos os municípios que implementem ações afirmativas e realizem políticas para a construção da igualdade de oportunidades entre negros e não negros.
Para a deputada Macaé Evaristo é importante ter um estatuto em Minas, mesmo já existindo o nacional, porque algumas políticas não são implementadas no Estado, como a de cotas no serviço público.
“Precisamos de um estatuto, sob pena de Minas perpetuar a desigualdade, mesmo sendo um lugar de maioria negra.”
Deputada estadual Macaé Evaristo (PT)
Segundo informações da Fundação João Pinheiro, 61% da população mineira se identifica como preta ou parda, e dados do Censo de 2022, divulgados pelo IBGE, apontam que dos 20,5 milhões de mineiros, 135.310 se autodeclaram pertencentes a comunidades quilombolas.
*Matéria elaborada com informações da ALMG