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Uso medicinal da cannabis é tema de debate público da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia

O debate discutiu a importância do apoio à pesquisa científica e os meios necessários para tornar o tratamento acessível à população.

Uso medicinal da cannabis é tema de debate público da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia
Foto: Alexandre Netto

A Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), promoveu na sexta-feira (26/4/2024) o debate público “Cannabis e ciência: evidências sobre o uso terapêutico e seus meios de acesso”. O objetivo foi discutir a importância do apoio à pesquisa científica para o avanço do uso terapêutico e medicinal dos produtos derivados da cannabis, bem como os meios necessários para tornar o tratamento acessível à população. Os debates ocorreram durante a manhã e à tarde.

A discussão, promovida a partir de um requerimento apresentado pelas deputadas estaduais do Bloco Democracia e Luta, Beatriz Cerqueira (PT), Ana Paula Siqueira (Rede), e Andréia de Jesus (PT) contou com a participação de profissionais da área da saúde e da educação, bem como representantes da sociedade civil engajados na questão do uso de medicamentos à base de cannabis.

Durante a Mesa 1, que debateu “a importância e os avanços no uso terapêutico e medicinal da cannabis”, Leandro Cruz Ramires da Silva, diretor médico científico da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (Amame), trouxe dados a respeito desse tipo de medicamento no Brasil. De acordo com ele, associações de pacientes de cannabis medicinal no Brasil tratam 86.776 pessoas, com idades entre seis meses e 102 anos e com uso de mais de 205 mil frascos/ano. A maioria (58,3%) são mulheres. Entre as enfermidades, os transtornos mentais e comportamentais aparecem em primeiro lugar, com 16,7% dos pacientes. Essas mesmas associações têm quase 3.500 médicos prescritores.

Com o grande número de pacientes que são beneficiados pela utilização do uso medicinal, Leandro Silva criticou a legislação brasileira por impor restrições à compra interna da cannabis, mesmo aquela com baixo THC, a substância ativa mais conhecida da planta. No mundo, segundo ele, o produto com baixo THC sequer precisa de receita, desde que a Organização Mundial da Saúde retirou a cannabis da lista de opioides graves, em 2020.

Outros pontos destacados pelo médico foram o crescimento das importações e a judicialização do acesso ao chamado canabidiol. Ele citou o caso de São Paulo, que gastou R$ 25 milhões para atender 843 pacientes. “Se esse montante fosse usado nas associações, todas sem fins lucrativos, poderíamos atender 25 vezes mais pessoas”, comparou.

O médico ainda deixou sugestões para o Legislativo, como a inclusão da cannabis medicinal na lista de medicamentos do Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado, o envolvimento da Fundação Ezequiel Dias (Funed) e da Universidade de Minas Gerais (Uemg) nas pesquisas e fomento à produção por parte do Banco de Desenvolvimento do Estado (BDMG).

Concordou com ele Lourdes Machado, representante do Conselho Estadual de Saúde, que destacou que vários estados já aprovaram legislações para oferta dos medicamentos à base de cannabbis pelo SUS, mas Minas Gerais ainda não avançou no tema.

Nesse sentido, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) salientou que já está em tramitação o Projeto de Lei (PL) 3.274/21, que torna obrigatório o fornecimento desses remédios para condições médicas debilitantes. Para a parlamentar, pretende-se, com o debate público, abrir espaço para que a matéria seja apreciada de forma célere e efetiva na Casa.

“Minas Gerais está atrasada. O país inteiro está avançando na disponibilização da cannabis pelo SUS. A expectativa é que avancemos com essa pauta aqui na Assembleia e no Estado, pois esse projeto beneficiará muitas pessoas.”

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Enquanto os medicamentos não são disponibilizados pelo SUS, eles ficam disponíveis apenas para quem consegue pagá-los. De acordo com Lourdes Machado, o custo fica em torno de R$ 2 ou R$ 3 mil mensais. O promotor Luciano Moreira de Oliveira, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO-Saúde), explicou que têm chegado ao Ministério Público demandas tanto para liberação de produção domiciliar quanto de receituário para tratamento de autismo.

Relatos sobre uso de medicamentos a base de cannabis foram ouvidos

Membros da sociedade civil e representantes de associações estiveram presentes no debate e compartilharam histórias sobre os benefícios observados em suas famílias com o uso terapêutico de remédios à base de canabidiol.

Entre eles, Cleuza Lendário, mãe de Samuel, paciente tratado com cannabis medicinal, que emocionou os presentes ao compartilhar sua luta pela obtenção do óleo para o tratamento do filho. Samuel, que teve o cérebro comprometido por uma encefalite viral aos dois anos e foi posteriormente diagnosticado com autismo, sofria de múltiplas convulsões diárias e dependia de até 18 medicamentos por dia.

Após buscar alternativas, Cleuza começou a utilizar o óleo de canabidiol, inicialmente adquirindo-o a alto custo e posteriormente plantando cannabis para uso medicinal. No entanto, um mandado de busca e apreensão resultou na destruição da plantação e em problemas legais para a família. Três meses depois, Samuel faleceu por falta de acesso ao tratamento adequado. Cleuza lamentou a perda do filho e denunciou a negligência do Estado na garantia do direito ao tratamento.

“Engasgou, broncoaspirou e por segundos morreu nos meus pés, por falta de recursos do Estado e do único remédio que controlava meu filho. Venci o preconceito de uma igreja e de uma sociedade, e tinha um direito por lei, que me foi tirado. Podemos ser presos, mas o pior foi ter perdido meu filho.

Cleuza Lendário, mãe de paciente autista tratado com cannabis medicinal

O presidente da Associação pelo uso de Cannabbis Medicinal de Belo Horizonte, Matheus Candini Soares, também deu seu depoimento nesse sentido. Segundo ele, sua família se beneficiou do medicamento no tratamento de Alzheimer nos avós paternos e maternos, com resultados melhores do que os oferecidos nos tratamentos tradicionais.

Pesquisas desenvolvidas a respeito do tema foram apresentadas

Na Mesa 2 do debate público sobre Cannabis medicinal, o professor Derly José Silva, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), e a pesquisadora Mychelle Monteiro, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), apresentaram suas pesquisas em andamento sobre os derivados da maconha.

O trabalho do professor Derly envolve a criação de um banco ativo de germoplasma da cannabis em Minas Gerais, visando estabelecer o Estado como um centro genético da planta no país. Ele enfatizou a importância de não reduzir a cannabis ao seu consumo como cigarro alucinógeno, destacando seus benefícios para a saúde e seu potencial como matéria-prima em diversas indústrias.

Por sua vez, Mychelle Monteiro falou sobre o trabalho do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), da Fiocruz, que desenvolve métodos para o controle de qualidade dos produtos derivados da cannabis no Brasil, abordando desafios como o alto custo e o tempo de espera para a importação dessas substâncias.

Uso terapêutico do canabidiol já está pacificado na legislação brasileira

Durante a Mesa 3, que focou em “Políticas Públicas, Experiências e Avanços para o acesso ao tratamento com Cannabis para a população”, operadores do direito afirmaram que a legalidade do uso terapêutico do Canabidiol (CBD) já está estabelecida na legislação brasileira, apesar de questões político-ideológicas associadas ao tema. Walter Moraes Júnior, promotor de justiça do Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte, destacou que a Lei de Drogas não criminaliza a produção de substâncias derivadas do CBD para fins medicinais, e citou a regulamentação da Anvisa que permite a prescrição médica desses medicamentos.

O promotor acrescentou que leis estaduais podem complementar a lei federal sobre o uso medicinal do Canabidiol, como ocorreu no estado de São Paulo, onde falta a regulamentação da norma. “A aprovação de uma política estadual de distribuição de remédio à base dessa planta é importante para universalizar o uso”, avaliou. Isso ajudaria a resolver um problema comum, apontou, que é a exclusão das famílias de baixa renda na luta por esses medicamentos, a maioria importados, já que o custo deles e da judicialização são altos.

Já Henrique Abi-Ackel Torres, desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ressaltou que as regulamentações da Anvisa legalizam o uso da Cannabis para fins medicinais.

Também participou da mesa a deputada Andréia de Jesus (PT) que destacou que os negros são tradicionalmente criminalizados por oferecerem à sociedade uma planta milenar cobiçada por todo o mundo. Nesse sentido, refletiu que “pensar na legalização da maconha, garantindo o controle social, é pensar na reparação histórica desse povo negro, que está no sistema prisional”.

“A perseguição à cannabis é um problema racial, e precisa ser debatido com o recorte de raça. A discussão sobre as evidências do uso terapêutico da substância precisa levar em consideração o conhecimento e trabalho do povo negro.”

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Encaminhamentos do debate

Ao fim das discussões, a deputada Beatriz Cerqueira (PT), que presidiu os trabalhos, agradeceu aos participantes e propôs a criação de um grupo de trabalho para continuar a discussão, especialmente contribuições para o projeto de lei sobre a temática.

Também sugeriu a elaboração, pelas universidades, de um portfólio para os parlamentares saberem como podem contribuir com as pesquisas sobre o tema. E se comprometeu a continuar dando visibilidade à questão na Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, a qual preside.

*Matéria elaborada com informações do site da ALMG

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