Ciclo de debates da ALMG mostrou que o Regime de Recuperação Fiscal, que o Executivo tenta impor a todo custo, não é solução para o endividamento de Minas Gerais, agravado pelo Governo Zema e chega a R$ 165 bilhões.
A dívida total de Minas Gerais foi de R$ 18 bilhões em 1998 para mais de R$ 165 bilhões em 2023. Desse montante, cerca de R$156 bilhões referem-se à dívida do Estado com a União. Porém o pagamento desses débitos está suspenso desde 2018 e agora o governador Romeu Zema quer a adesão de Minas ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Por isso, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais propôs a realização do ciclo de debates Endividamento de Minas Gerais, que aconteceu nos dias 26 e 27 de outubro.
Ao mesmo tempo que diz que colocou “Minas nos trilhos”, Zema alega que não tem dinheiro para investimentos essenciais para o povo mineiro, como reajustes e melhoria dos serviços públicos, seja na Educação, Saúde, Segurança ou outras áreas. Por essa razão, ele precisa aprovar o projeto de adesão do Estado ao RRF, um projeto para que estados possam renegociar a dívida com a União.
Momentos em que o governo Zema prejudicou o serviço público na Educação, na Saúde e no Meio Ambiente
Para o governador, o regime e outras medidas como privatizações resolveriam o problema do endividamento de Minas Gerais, porém, como foi mostrado nos debates, isso não corresponde à realidade. Além disso, essa adesão custaria valiosos investimentos em áreas que estão já estão em situação precária, piorando ainda mais o panorama do serviço público e dos funcionários do Estado.
Como exemplo, o representante do Sinfazfisco-MG, João Batista Soares, apresentou dados sobre a evolução da dívida do Rio de Janeiro, onde já foi implementado o Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Segundo ele, de 2017, quando o Rio aderiu ao regime, a agosto deste ano, houve um aumento de 33% da dívida, o equivalente a R$ 45 bilhões do saldo atual de R$ 182 bilhões. O representante destacou: “endividar nos dias atuais para jogar o peso nas gerações futuras só agrava ainda mais a crise fiscal, econômica e social.”
“Os mineiros não podem ficar sem atendimento em saúde, sem educação. Serão 150 mil famílias de servidores recebendo menos de um salário mínimo ao final de nove anos, caso haja a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. Não podemos entrar nessa agiotagem”, reforçou o presidente do Sinfazfisco, Hugo René de Souza.
Os deputados do Bloco Democracia e Luta já declararam posição contrária à tal adesão arquitetada pelo Executivo, que é apressada e prejudicial para a população mineira. Na mesa de abertura do evento, o deputado Lucas Lasmar (Rede), que idealizou o ciclo de debates, ressaltou que o crescimento da dívida tem sido um entrave para o desenvolvimento do Estado. A deputada Ana Paula Siqueira (Rede) e o deputado Professor Cleiton (PV) também criticaram o RRF, por penalizar o povo.
Estado está falido enquanto Zema concede benefícios fiscais
As deputadas Bella Gonçalves (Psol) e Beatriz Cerqueira (PT), também contra o RRF, apontaram as incoerências da gestão do governador Romeu Zema. As principais promessas giraram em torno de promover uma gestão austera e responsável das finanças públicas, corte de gastos e redução da máquina pública. O que realmente aconteceu foi um aumento das dívidas e piora do cenário econômico.
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As parlamentares destacaram que o Executivo quer aumentar os benefícios fiscais para determinados setores da economia, enquanto busca a adoção do regime de recuperação, o qual estabelece como uma das contrapartidas a redução desses incentivos. De acordo com Beatriz Cerqueira, a redução das renúncias de receita em R$ 3,3 bilhões previstas no plano de recuperação encaminhado pelo Estado à União não supre o aumento dos benefícios fiscais somente de 2022 para 2023, de R$ 4 bilhões. Um dos principais agraciados por essa ação de Zema foi Salim Mattar, fundador da Localiza e financiador da campanha de Romeu Zema.
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Zema nega a política e impede resolução da dívida
Para a maioria dos participantes do ciclo de debates da ALMG, a solução para a dívida não deve ser técnica. Nesse sentido, eles criticaram o governador pela “negação” da política e pela falta de habilidade nesse campo. “Zema não tem essa estatura. Não há movimento para procurar as lideranças”, pontuou a deputada Lohanna (PV). O deputado federal Rogério Correia (PT) acrescentou que, em jantar com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), ele teria dito que nunca foi procurado pelo governador para discutir qualquer demanda de Minas.
O ex-deputado estadual Sávio Souza Cruz reforçou que é preciso mobilizar lideranças em favor do problema da dívida. Também para ele, não se faz ajuste por lei porque a realidade se impõe à norma. “O ajuste é no campo da política. Mas Minas insiste em um instrumento proposto pelo governo federal anterior, que tinha uma lógica oposta ao atual”, criticou.
“Economia é política social aplicada. O tecnicismo vai nos fazer errar. O que resolve é sentar com o presidente e fazer política”, reiterou Gelton Pinto Coelho, do Conselho Regional de Economia e do Conselho Municipal da Pessoa Idosa de Belo Horizonte. Ele citou o fluxo de atendimento aos idosos, que começa no Disque 100 e envolve a ação da Polícia Civil. “Sem gasolina ela não vai chegar”, frisou, citando impactos para a população.
Em concordância, os deputados Lucas Lasmar (Rede) e Macaé Evaristo (PT) reforçaram que o problema da dívida não deve recair sobre os servidores públicos e a impossibilidade de resolver endividamento sem articulação política.
“O RRF é o pior acordo da história de Minas”
Deputado Estadual Lucas Lasmar (Rede)
“Minas sofre fortemente pela exploração desmedida de recursos naturais, que é agravada por escolhas políticas. Assim, as riquezas são escoadas e a população fica mais empobrecida”
Deputada Estadual Macaé Evaristo (PT)
A deputada Bella Gonçalves (Psol) ainda chamou atenção para o fato de que o setor mineral não é cobrado pelo uso de água e energia, embora a mineração tenha um grande impacto nas regiões onde atua.
“Se pagassem taxa, já seria uma compensação por todo o problema que causam. Mas nem isso. A discussão de imposto sobre herança também seria uma boa saída para aumentar a arrecadação”
Deputada Estadual Bella Gonçalves (Psol)
Destruição da máquina pública
Para Gelton Coelho, a adesão ao RRF apenas muda o perfil da dívida, mas não soluciona o problema e ainda impede o funcionamento da máquina pública. Já Denise Romano, coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE), lembrou que em muitos municípios do interior de Minas os salários dos servidores públicos são o que faz a economia girar. “Com nove anos de congelamento previstos no plano, o impacto será imenso”, apontou.
Falando pela segurança pública, o coronel Ailton Cirilo da Silva, presidente da Associação dos Oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, destacou as perdas inflacionárias da categoria e os impactos que podem advir do RRF: redução do poder de compra, bicos como segunda jornada, faltas ao trabalho e, consequentemente, queda na qualidade do serviço público.
Renato Barros, diretor do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde, citou o desmonte que já vem ocorrendo na rede Fhemig e o agravamento que pode ocorrer com o RRF. Também o deputado Lucas Lasmar (Rede) citou que, entre 2019 e 2021, o Estado deixou de investir R$ 7 bilhões na saúde, entre o que foi previsto e o que realmente foi investido. Ele conclamou os colegas a tomarem consciência dos impactos do RRF e votarem contra a proposta, independentemente de serem apoio ao governo.
Já Doutor Jean Freire (PT) conclamou os participantes ao convencimento da sociedade sobre esses impactos.
“O secretário Gustavo Barbosa (Fazenda) foi o arquiteto do mesmo plano no Rio de Janeiro e admitiu que ele está em ruínas. Como vamos autorizar que ele faça o mesmo em Minas?”
Deputado Doutor Jean Freire (PT)
Inúmeros setores como o da saúde, do meio ambiente e da educação já estão sofrendo com os impactos da gestão de estado mínimo do governador, seja por falta de reajustes, concursos não realizados, abandono das carreiras, extinção de benefícios consolidados, desvalorização e retirada de direitos básicos. A situação vai se agravar ainda mais com a aprovação do Regime de Recuperação Fiscal.
Alternativas ao regime de falência do servidor
O ex-presidente da Codemig, da Usiminas e da Vallourec & Mannesmann do Brasil, Marco Antônio Castello Branco, afirmou que o argumento do governo equivale ao terrorismo. “Está usando a máquina do terrorismo para obter a adesão e a submissão do Parlamento. Não precisa ser assim e não é admissível que seja”, afirmou Castello Branco.
Assim como diversos outros participantes do debate, ele afirmou que somente a negociação política pode resolver o problema da dívida. Emergencialmente, ele defendeu a federalização da Cemig, Codemig e Copasa. Isto é, que o Estado utilize ações dessas empresas para amortizar a dívida, evitando a paralisação da máquina em 2024 e que as companhias sejam vendidas de forma desvantajosa.
Segundo o ex-presidente da Codemig, o passo seguinte seria a negociação política para que fosse reconhecida a contribuição dos Estados para a balança comercial do país, algo que aconteceu por meio de iniciativas que desoneraram, por exemplo, a exportação de commodities como grãos e minério de ferro.
Tânia Teixeira, coordenadora de Extensão dos cursos de Economia e Contábeis (EaD) da PUC Minas e conselheira do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG), defendeu a busca de negociações e indenizações junto ao governo federal. Esse processo, em sua avaliação, deveria incluir um alongamento do prazo de renegociação da dívida, algo que já está sendo pedido por outros estados. “Temos que ter uma saída política. Cabe a esta Casa buscar essa saída. Como vamos sair dessa situação de jogar sempre para os governos futuros a solução dos problemas presentes?”, cobrou.
O deputado Lucas Lasmar (Rede), que conduziu o debate, elogiou a proposta de criação de uma comissão parlamentar para conduzir essa negociação com a União.
Fonte: ALMG