A Cemig e a Copasa, empresas estatais responsáveis por fornecimento de energia elétrica e saneamento básico, respectivamente, estão sob ameaça do governo Zema, assim como a participação do povo mineiro, nas decisões do Executivo. Esse foi o tema da audiência pública da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada nessa terça-feira (19/9/23), no Auditório José Alencar. A reunião foi requerida por deputados do Bloco Democracia e Luta, que propuseram debater o processo de privatização das duas estatais mineiras, colocado em curso pelo Governo de Minas, assim como a sua relevância para os mineiros.
Especialistas e trabalhadores da área enfatizam que consumidor seria mais onerado, conforme registrou reportagem publicada no site da Assembleia de Minas: Possível privatização da Cemig e Copasa causaria aumento de tarifas.
Parlamentares do Bloco Democracia e Luta, Ana Paula Siqueira e Lucas Lasmar (Rede); Andréia de Jesus, Beatriz Cerqueira, Betão, Cristiano Silveira, Doutor Jean Freire, Leleco Pimentel, Leninha, Macaé Evaristo, Marquinho Lemos, Ricardo Campos e Ulysses Gomes, do PT; Bella Gonçalves, do Psol; Celinho Sintrocel, do PCdoB; Lohanna e Professor Cleiton, do PV, assinaram o requerimento.
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PEC do governo prevê fim de referendo popular
A privatização dessas empresas, tão desejada pelo governo de Romeu Zema (Novo), está diretamente associada à Proposta de Emenda à Constituição (PEC), enviada pelo governador, que retira a necessidade do referendo popular, previsto na Constituição Estadual, e reduz o quórum necessário para a aprovação de leis nessa área.
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Em 2001, foi aprovada uma Emenda à Constituição Estadual que vigora até hoje e determina que a venda de empresas públicas está condicionada à aprovação por quórum qualificado, o maior previsto para qualquer votação na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) — 48 votos de um total de 77 deputados, além de uma consulta popular.
Pesquisa DataTempo, realizada em setembro de 2022, revela que a maioria dos eleitores mineiros é contra a privatização de empresas estatais. Ou seja, a intenção do governo é passar por cima da vontade do povo mineiro e da Assembleia de Minas para conseguir privatizar a Cemig e Copasa.
O que é um referendo?
Por definição, referendo é um instrumento da democracia semidireta, modelo adotado no Brasil, por meio do qual os cidadãos eleitores são chamados a pronunciar-se por votação direta e secreta sobre determinados assuntos de relevante interesse à nação.
Privatização é sinônimo de aumento das tarifas e piora nos serviços
Demissões, má prestação de serviços, tarifas altas e situações de desabastecimento. Todos esses problemas são consequências de privatização em áreas essenciais apontadas em outra audiência, dessa vez da Comissão de Administração Pública, realizada na sexta-feira (15).
Na reunião presidida pela deputada Lohanna, o ex-presidente da Eletrobrás e Furnas e ex-diretor da Cemig, Aloísio Vasconcelos, destacou que a privatização leva a um aumento do custo da energia para o consumidor. Ele trouxe o exemplo do estado do Amapá, que teve o serviço de distribuição de energia privatizado em 2021, com a venda da CEA (Companhia de Energia do Amapá) para a Equatorial Energia. Neste ano, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está propondo um reajuste de 44,4% na conta de luz do Amapá, tornando a energia do estado a mais cara do País.
Carlos Wagner Machado, economista do Dieese – Subseção Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG) também abordou o aumento das tarifas como uma consequência da privatização. Ele ainda acrescentou que a lógica privada no setor elétrico no Brasil trouxe fechamento de agências, precarização de serviços e terceirização do trabalho.
Outros especialistas como o presidente da Federação Interestadual dos Urbanitários do Sudeste, Esteliano Gomes; o presidente do Sindicato de Engenheiros no Estado de Minas Gerais, Murilo Valadares; o sociólogo e professor na Universidade Federal do ABC, Jessé Freire e o Secretário-geral do Sindieletro-MG, Jefferson Teixeira, também se manifestaram contra as intenções do Executivo. De acordo com eles, a privatização de empresas estatais não representa melhora para a população e pode ser considerada uma uma ameaça, já que serviços essenciais, como água e energia, não podem ser vistos como mercadorias.
Sucateamento, blecaute e desabastecimento na Eletrobras e Saneouro
Fabíola Antezana, vice-presidenta da Confederação Nacional dos Urbanitarios (CNU), é trabalhadora da Eletrobras e endossou as críticas. Ela fez um histórico do processo de privatização da empresa que foi finalizado recentemente. Segundo Fabíola, houve um processo intencional de sucateamento da empresa ainda durante a gestão estatal. Dos 17 mil trabalhadores que a Eletrobras tinha em 2016, restaram 6,5 mil, lamentou ela.
“Isso já está trazendo consequências, como o blecaute que acometeu o Brasil em agosto, mostrando a falta que fazem trabalhadores experientes no sistema”, frisou Antezana.
Já Luiz Carlos Teixeira, presidente da Federação das Associações de Moradores de Ouro Preto (Famop), falou sobre a situação danosa, segundo ele, que a população da cidade enfrenta desde que a concessionária atual de água, a Saneouro, controlada por uma empresa da Coréia do Sul, assumiu o serviço, em outubro de 2019, onerando em muito as tarifas cobradas.
Segundo ele, a empresa anunciou que este ano foram feitos 2.726 cortes no abastecimento por problemas de pagamento, significando que 11 mil pessoas, de uma população de 74 mil moradores, ficaram sem o direito à água. “Ou seja, 14% da população teve sua água cortada. São pessoas negras, pobres e periféricas, e não caloteiras”, desabafou Teixeira.
Cemig e Copasa são lucrativas para o povo mineiro
O ex-diretor da Cemig Aloísio Vasconcelos afirmou que, do ponto de vista econômico, a privatização não se justifica, pois a estatal é lucrativa. Ele disse que a Cemig coloca nos cofres do governo de Minas R$ 2 milhões a cada dia, mesmo nos fins de semana e feriados. O administrador também argumentou que não há, no Brasil, nenhum caso de empresa privatizada de energia em que o índice técnico melhorou.
Aloísio Vasconcelos ainda colocou que a empresa não pertence ao governo e sim ao povo mineiro, que é dono de 17% das ações da Cemig. “Quem deve decidir sobre a venda é a população”, afirmou, acrescentando que pesquisa mostra que 83% dos mineiros são contra a medida.
Fernando Duarte, supervisor do Dieese, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, lembrou que a Copasa e a Cemig são empresas de economia mista, controladas pelo Estado, mas com ações privadas na bolsa.
Segundo ele, a Cemig gerou um lucro superior a R$ 4 bilhões no ano passado e a Copasa, de R$ 937 milhões, resultando em expressivos dividendos para o Estado. “Em termos econômicos, Cemig e Copasa são empresas saudáveis, premiadas e geradoras de lucros que garantem caixa para o Governo do Estado. Abrir mão dessa receita e falar em privatização para recuperação fiscal é muito problemático, é uma lógica tosca e perversa que imperou no passado.”
Para ilustrar, Fernando Duarte fez um histórico do que ocorreu no mundo, destacando que países como França e Inglaterra chegaram a ter serviços como os de energia privatizados. “Hoje o que estamos observando em outros países é um movimento de reestatização para garantir serviços públicos essenciais de qualidade à população”, advertiu ele.
O supervisor do Dieese também avaliou que o argumento de maior competividade, usado para justificar essas privatizações, não se sustenta em atividades como energia e saneamento, porque estas seriam naturalmente áreas de monopólio.
Reestatização
De acordo com o TNI (Transnational Institute), Centro de Estudos em Democracia e Sustentabilidade sediado na Holanda, desde 2000, ao menos 884 serviços foram reestatizados no mundo. O movimento é especialmente forte na Europa, onde só Alemanha e França já desfizeram 500 concessões e privatizações do gênero. Os episódios, porém, se repetem por todo o mundo e estão espalhados por países tão diversos quanto Canadá, Índia, Estados Unidos, Argentina, Moçambique e Japão.
As motivações para essa nova tendência podem ser resumidas em um só fator: a priorização de lucros das empresas privadas. Esse aspecto é, na maior parte das vezes, conflitante com a execução de serviços dos quais a sociedade depende.
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O fato é que quando um serviço público é privatizado, o lucro torna-se prioridade e a consequência é o aumento expressivo de valores, com serviços inacessíveis para a população mais pobre, além de falta de investimentos em infraestrutura, relaxamento nas condições de trabalho, dentre outros. Para especialistas no assunto, serviços de transparência são entregues com déficit e, em um país subdesenvolvido como o Brasil, isso é um botão que alavanca o índice de corrupção.
Bloco Democracia e Luta se manifesta contra a PEC e privatizações
O Bloco Democracia e Luta marcou seu posicionamento contra o Projeto de Zema e contra as privatizações que o Executivo deseja executar. Para a deputada Lohanna, o governador encaminhou a PEC para tirar a obrigatoriedade de referendo sobre a medida porque sabe que a maior parte da população vai contra a medida.
Já o deputado Ricardo Campos, vice-presidente da Comissão de Participação Popular, defendeu que mais recursos públicos sejam destinados a essas estatais ao invés de privatizá-las. A deputada Ana Paula Siqueira também reforçou que faltam investimentos para as duas companhias, que são muito rentáveis, mas seus lucros não estão sendo utilizados em favor das mesmas.
A deputada Leninha, vice-presidenta da ALMG, marcou posição contra a ideia da privatização, assim como os deputados Leleco Pimentel, Doutor Jean Freire e Professor Cleiton, para quem a privatização das estatais representa passar para o mercado não só o domínio das empresas, mas da exploração da energia e da água, o que afeta a questão da soberania.
A deputada Beatriz Cerqueira ainda questionou o motivo de o governo estadual tentar retirar a necessidade de referendo para a privatização e o quórum para a votação da mesma. “Como o governo quer diminuir a importância das privatizações, colocando um quórum igual ao da votação de projetos de utilidade pública?”, questionou.
Fonte: ALMG