Familiares de detentos fizeram denúncias sobre a precariedade do sistema penitenciário, durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na terça-feira (18/04/23). A manutenção da infraestrutura e do funcionamento das unidades carcerárias são responsabilidade do governo do estado, que atua de forma negligente para combater a violência, as péssimas condições e o abandono sofrido pelos encarcerados.
Grande parte das queixas foi registrada no site Desencarcera! e reforçada na reunião. Os principais problemas apontados pelas denúncias foram: tortura; superlotação; suicídios tentados e consumados; abuso sexual; transferências repentinas; restrições ao banho de sol; más condições de higiene e alimentação, com falta de alimentos ou comida estragada; maus-tratos aos familiares e logística de visitas precária; descumprimento de ordens judiciais, normas e regulamentos; não reconhecimento das associações de familiares e amigos dos detentos como instâncias legítimas de diálogo e, por fim, baixo efetivo e pouca qualificação dos trabalhadores do sistema prisional mineiro.
A audiência aconteceu graças ao requerimento da presidenta da comissão, deputada Andréia de Jesus (PT) e durou mais de cinco horas repletas de várias declarações de indignação por parte das famílias dos presos. Na reunião ainda foram citados nominalmente diversos agentes penitenciários reincidentes na violência contra os detentos e seus parentes.
Muitas unidades prisionais por todo o estado foram mencionadas, como o presídio Jacy de Assis e a Penitenciária Professor João Pimenta da Veiga, localizados em Uberlândia. Outras prisões foram citadas pelas testemunhas, como as dos municípios de Três Corações (Sul), Francisco Sá (Norte), Patrocínio (Alto Paranaíba), Teófilo Otoni (Jequitinhonha/Mucuri), Divinópolis, Pará de Minas e Formiga (Centro-Oeste), São Joaquim de Bicas e até o novo Complexo Penitenciário Público-Privado (CPPP) de Ribeirão das Neves.
Sistema penitenciário sucateado e Estado negligente
Os gestores estaduais e representantes do Executivo voltaram a prometer que as irregularidades serão apuradas e corrigidas. Contudo, essas promessas vêm sendo feitas há tempos e não houve qualquer sinal de melhora na situação dos detentos.
Por isso, a presidenta da Comissão de Direitos Humanos assegurou que vai continuar reforçando a pressão para mudanças nesse cenário, sobretudo a respeito da Colônia Penal Professor Jacy de Assis, em Uberlândia, prisão campeã disparada com cerca de 50% das denúncias registradas desde outubro de 2018 na plataforma Desencarcera!, levando em conta um total de 236 unidades prisionais e 39 unidades socioeducativas.
A parlamentar pontua:
“Vivemos numa sociedade punitivista. O Estado brasileiro prende muito e prende mal. Persegue nossa juventude que já não tem nenhuma oportunidade e a empurra para essas masmorras”
A deputada também reconheceu a dificuldade em fiscalizar as dezenas de unidades prisionais do Estado, reforçando a importância dos dados coletados pelo site registrados, em sua maioria, pelos familiares dos encarcerados.
Andréia de Jesus ainda cobrou maior rigor na apuração de comportamentos irregulares e punição de agentes públicos. Ela completa:
“Esses servidores públicos têm acesso à informação, ao que diz a lei, e mesmo assim praticam abusos. Isso é motivo para perder o cargo porque eles desobedecem a legislação que embasou sua contratação”
Outros deputados do Bloco Democracia e Luta apoiaram as manifestações da presidenta, como Ricardo Campos, que reforçou as precárias condições das unidades prisionais do Norte de Minas, e Leleco Pimentel, ambos também do PT.
A coordenadora-geral de Combate à Tortura e Graves Violações de Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Fernanda Vieira de Oliveira, acrescenta à discussão outro importante instrumento de monitoramento e denúncia de irregularidades, o relatório anual do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. A última edição foi encaminhada ao Executivo estadual em agosto de 2022 com 100 recomendações.
A representante do Ministério também questiona a atuação do governo Zema.
“Afinal, qual é a dificuldade do Estado de Minas Gerais em iniciar uma investigação séria sobre essas práticas? Por que o Estado tem se omitido em apurar e punir as torturas praticadas por seus servidores? Tudo o que foi relatado aqui é tortura. Pelos nossos cálculos, entre presos e familiares, são de 65 mil a 73 mil vítimas de tortura em Minas Gerais. E quem aquiesce também comete tortura”
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Conheça a Plataforma Desencarcera!
Local para receber denúncias de torturas e violações de direitos ocorridas nos presídios e unidades socioeducativas de Minas Gerais e fora deles, com os familiares. Tudo é feito de forma anônima e as denúncias serão filtradas e analisadas antes da divulgação na plataforma.